
- Está?
- Sim?
- Sr. Silvestre?
- O próprio.
- É o Groucho.
- Quem? Fale mais alto, por favor.
- O Groucho, Sr. Silvestre.
- Groucho?!... Mas por que é que está a falar tão baixo? Chegue-se mais ao bocal do telefone.
- [Continuando a falar baixo] Não posso, senhor. Não é conveniente.
- Não é pertinente? E porquê?
- Conveniente, senhor, conveniente.
- Mas porquê, homem?
- É perigoso…
- Perigoso?...
- Sim, muito perigoso, mesmo. O senhor está sozinho? Tem a certeza de que o seu telefone não está sob escuta?
- Como sabe, meu caro, hoje em dia ninguém pode estar certo disso…
- Pois é. Bom, olhe, estou a telefonar-lhe para o informar de que vou passar à clandestinidade.
- Vai viver para onde? Fale mais alto, carago.
- Clandestinidade, senhor, vou passar à clandestinidade!
- Clandestini… Mas você ensandeceu de vez, homem?
- Questões de sobrevivência básica, senhor. Há um atentado a ser congeminado na sombra contra mim.
- Hã?!...
- Pois, e até já sei a data: no próximo dia 9.
- Dia 9? Há qualquer coisa desagradável agendada para esse dia… Mas não me ocorre o que seja.
- Deve ser o meu atentado, senhor…
- Não seja paranóico, homem! Qual atentado, qual quê! Referia-me a uma coisa mesmo muito desagradável.
- Obrigado, pelo que me toca, senhor. Constato, pois, infelizmente sem surpresa, que um atentado contra o seu leal servidor não será coisa desagradável.
- «Leal servidor» é boa, Groucho, muito boa, mesmo… E olhe lá, quem é que vai atentar então contra si?
- Vejo, pelo seu tom, que não me leva a sério. Vai arrepender-se, vai ver.
- Ora, Groucho… Vá, diga lá quem é que o quer matar.
- [Num sussurro] Os sionistas, senhor…
- Fale mais alto, homem! Os quê?
- Os sionistas!
- … [Longo silêncio]
- Está?
- Não, acho que não estou em mim… Mas quem é que lhe transmitiu uma informação dessas, homem?
- Os meus amigos do Hamas, senhor.
- Ainda há mais? Mas o quê?
- Do HAMAS, senhor!
- … [Novo silêncio] Mas… Você tem amigos no Hamas?! E não nos disse nada quando concorreu ao posto de mordomo do clube? Como dizia um vizinho meu, isto é estupefacto!!
- Não vejo porque haveria de referir isso. Aliás, era o que mais faltava, termos de dar os nomes dos nossos amigos todos quando concorremos a um lugar. E ainda criticam o
Patriot Act!
- Pois, pois… Além do mais, gente amiga do seu amigo, essa malta do Hamas, imagino.
- E como, senhor! Pois foram eles que me informaram de que a Mossad enviou para o nosso país um comando, completamente desligado dos vínculos da Mossad e mesmo do governo de Israel, para realizar uma série de atentados contra gente não grata.
- Isso parece o
Munique, ó Groucho. Esses seus amigos vêem muito cinema americano... Mas se for como no filme não se apoquente, pois aquela malta da Mossad sofre em demasia de estados de alma, de cada vez que tem de puxar um gatilho. Mas, já agora, a que propósito é que você integra a lista? Você, um pachorrento mordomo?
- Enfim, eu também não percebo muito bem. É verdade que há uns anos já que passo as férias em Gaza em programas voluntários de educação de jovens. Mas nada que possa suscitar desejos de reataliação, creio.
- Educação de jovens? Francês, inglês, música clássica, maneiras à mesa, umas citações de clássicos para acompanhar os vinhos?
- Não apenas, senhor…
- Não apenas? Aulas práticas sobre educação sexual e Sida? Umas luzes sobre a globalização?
- Também, mas não apenas, senhor…
- O direito internacional à luz da religião? A religião nos limites da pura razão?
- Não apenas, senhor…
- Desisto! Desembuche lá, homem.
- Bom, além de tudo isso, também umas regras ético-práticas sobre «como enfrentar um soldado israelita na rua e sobreviver». Coisas assim…
- «Como enfrentar um soldado…»!! Mas de que está você a falar?
- Ora, reconversão das clássicas e bíblicas fundas, vulgo fisgas, para efeitos de Intifada, etc. Pequeninas coisas.
- Eu… Eu… Você está a brincar. Só pode.
- Não, senhor, de modo algum. Sabe que eu integro uma ONG de mordomos criada para esse efeito. Subsidiada aliás pela UE. Chegámos a ter um bom financiamento anual, devido ao êxito dos nossos programas de reconversão. Mas agora, tenho de lhe confessar, estou com medo…
- E, dessas suas actividades de formação de jovens, não sobrou por aí, por acaso, nenhuma fisga?
- Só uns suspensórios, senhor. Mas devem resultar, ainda que não para um comando inteiro. Mas também tenho aqui uma caneta com uma Uzi lá dentro. E duas granadas nos botões de punho. Terei de… [Cala-se]
- Groucho? Está?
- [Num sussurro] Tenho de desligar, senhor. Ouvi um barulho suspeito no telhado. Reze por mim, senhor.
Inch’Allah!
- Hã?!! [Linha abruptamente cortada]