A morte absoluta
Morrer.
Morrer de corpo e alma.
Completamente.
Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão — felizes! — num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.
Morrer sem deixar porventura uma alma errante…
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?
Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança duma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento.
Em nenhuma epiderme.
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: “Quem foi?...”
Morrer mais completamente ainda,
— Sem deixar sequer esse nome.
Manuel Bandeira, Lira dos Cinquent’anos (1940)
<< Home