05 março 2006

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- De momento, o número que marcou não está disponível. Por favor, deixe a sua mensagem após o sinal.
- Sou eu, Groucho. Não vou dizer o meu nome. Há-de reconhecer a minha voz na gravação, com certeza. Ou não? Às vezes, até a mim me soa estranha. Tenho tentado apanhá-lo, mas ninguém sabe onde pára. Pelo que leio, as suas férias têm corrido bem. Ao menos arranjou com quem conversar. E farta-se de ir ao cinema. E de passear à noite. Eu é que não posso dizer o mesmo. É uma canseira a engolir-me os dias e nunca percebi para quê. Um derrame de sangue. Um dom sem destino. Já há algum tempo que não conversamos, sabe? Vai-me dizer que nunca falámos. Que não me conhece. Que foi tudo imaginação minha. Olhe, eu próprio cheguei a pôr essa hipótese. Mas vi logo que não, que não podia ser. Que era delírio. Que era delírio pensar que era imaginação. Bem sei que isto foi ficando vazio, é verdade. Terá tido ecos disso, estou certo. Mas ainda há pouco conversámos os dois. Dirá que nos malentendemos quando muito. Talvez, mas essa era a nossa maneira de conversar. E até o que falha tem o sabor do amor. Sabe por que lhe estou a ligar? Imagino que não. Nem eu sei bem. Espero que saiba ao menos quem lhe está a ligar. Colaram um cartaz aqui na parede. Foi você? Isto era uma das coisas que lhe queria perguntar. Acho. Já nem me lembro da outra. Tenho de voltar a ligar. Ou então, ligue-me quando ouvir a mensagem. Espero que este seja o seu número. Não tenho outro. Adeus, Groucho.