17 fevereiro 2006

Passeio quase nocturno: o castelo (2)




— Cuidado aí, isto anda tudo em obras, talvez seja melhor mudarmos de passeio.
— Vêm lá dois cães, será seguro?
— Estão com trela, mas vamos aqui pelo meio. Sabe que já não me lembro bem de quando foi a história, mas terá sido pouco antes ou pouco depois do fim do reinado cavaquista.
— Assim tão recente? E mete política dessa?.. Pff...
— Refere-se a umas eleições autárquicas, Groucho, mas não é uma história de política dessa.
— Como não? Lá no clube quase nunca se falava dessas coisas, e com razão, é um real tão pequenino, esse...
— Eu sei, Groucho, eu sei, também concordo que um dos meios de lidar com essa pequenez é não lhe dar precisamente todo o espaço do discurso.
— Ora aí está... Hum, eram grandes conversas aquelas...
— Saudades, não é, Groucho?
— Tenho de confessar que sim. Apesar de tudo...
— Claro, apesar de tudo. É preciso dar tempo... às vezes não resolve nada, mas deve-se dar sempre uma oportunidade ao tempo.
(quase desdenhoso) Pois, e dizer com ar grave: o tempo, esse grande escultor.
(pausa)
— Olhe, Groucho, acabamos de passar a entrada do castelo.
— Era aquilo?
— Precisamente.
— E funciona alguma coisa lá, agora?
— Oh, nem sei bem. A última vez que lá estive, já foi há uns anos, estavam umas salas a ser recuperadas para auditório dos serviços de turismo ou qualquer coisa do género.
— Apoio lojístico, portanto. Algum relevo arquitectónico?
— Que eu saiba não, mas não sou de fiar nessas coisas. O que me parece é que se de repente aquilo desaparecesse, se se evaporasse no ar em recolhido silêncio, ninguém daria conta... é isso que torna interessante a história que lhe estava a contar. Não é exactamente uma história política, e muito menos de política dessa, é antes uma história da força da existência do mapa contra a simples existência do território.
— Outra vez a antecipar as conclusões, senhor?.. (pausa) Bom, conte lá então...
— Sim, Groucho, mas tenha cuidado aí, está tudo esburacado.

(continua)