23 fevereiro 2006

Multiplex 3 (take 4)

— Groucho, podia explicar-se um pouco melhor?
— Mas é simples, senhor. Já trabalhei no cinema, sei como se produz a beleza, sei a diferença entre a imagem que fica na tela e as pessoas reais que...
(interrompendo) Mas aquela mulher no café, por exemplo, era real.
— Então tenho de dizer que essa realidade não me interessa.
— Porque?..
— Olhe, interessa-me a Gata Borralheira, é isso. Interessam-me as pessoas cansadas, sujas, um pouco vencidas pela vida. Interessa-me não a beleza, mas a cicatriz que torna a beleza humana.
— Groucho, você anda a ler demais!.. Mas mesmo nisso da Gata Borralheira, se não fosse o sapatinho, como é que o príncipe...
(interrompendo) É o que eu digo: como os humanos não percebem nada, precisam de umas próteses para o entendimento.
— Como metáforas à custa de sapatinhos, é isso?
— Ou tesão à custa de imagens, dá no mesmo. Mas depois esquecem-se que as metáforas são metáforas, e de repente acham que estão no estado de natureza.
— Chiça, homem, lá se vai o encanto todo da Scarlett!.. E eu aqui a pensar que o clown metafísico era eu...
— Lamento. (pausa) Podemos ir agora jantar? Descansadamente, sem olhar para outras mesas?..