Reencaminhando a chamada
— Está? Sr. Mourão?..
— Olá, Groucho. Espere só um pouco, deixe-me vir aqui mais para dentro para o quentinho.
— Sábado desagradável, de facto. Já me tinha esquecido de que podia chover e ventar tanto.
— Veja lá, não poupe no gás, aqueça-me essa casa.
— Já sabe da questão das cartas falsas, senhor?
— Recebi há pouco um fax do Sr. Baptista com as missivas em causa.
— Um bocado intrigante, não acha?
— Devo confessar que fiquei um pouco espantado, é verdade. Sobretudo porque por uns breves momentos me perguntei se não tinha sido mesmo eu a escrever a carta...
— Hum, a questão do pastiche perfeito, estou a ver.
— Eu sei que não fui eu, ou melhor, creio saber que não fui eu, mas a verdade é que com a dose necessária de fel (o que me acontece por vezes, tenho de admitir), aquela seria a minha carta.
— Não é do seu punho, mas está na lógica do seu punho...
— E estando na lógica do meu punho, até que ponto não pertence ao meu punho?
— Problema profundo. Que pena não...
— (interrompendo) Pior ainda quanto à suposta carta do Sr. Baptista.
— Pior?
— Claro, Groucho. Como não sou o Sr. Baptista, não sei de ciência razoavelmente certa que não foi ele a escrever a carta, e como também aqui o estilo confere...
— Claro, o pastiche parece-nos tanto mais perfeito quanto não seja o pastiche de nós.
— Se não fosse o Sr. Baptista assegurar-me não ser o autor da carta, não duvidaria por um instante da sua assinatura.
— Era o que eu ia dizer há bocado, esse é um dos problemas profundos a que o clube daria guarida de bom grado. É uma pena aquilo estar deserto...
— Não só é uma pena, Groucho, como estas cartas devem estar relacionadas com esse deserto.
— Também presume da autoria das cartas, como o Sr. Baptista?
— Também, Groucho. E encontro-lhes mesmo um motivo: estando o clube deserto, o suposto autor reinventa as vozes, a ver se atrás delas se perfila gente.
— (esperançoso) E acha que dará resultado?
— Isso agora...
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