31 outubro 2005

Spam, 1























Já pensou emagrecer enquanto dorme?

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30 outubro 2005

Oh joy!



Esta jóia vai voltar às máquinas... para reimpressão. Caramba, será que ainda há esperança?

A inesquecível alma das cornetas


Clifford Brown faria hoje 75 anos, se não tivesse morrido ainda antes de completar 26.
Enganam-se, se julgam que "trompete" significa "Miles Davis".

28 outubro 2005

Modo e forma

— Retomando velhas piadas?
— Quando muito piadas originais, Groucho, se bem sigo o link: piadas originais, quer dizer, da origem. Mas não foi piada... antes um modo de vida.
— Ou de morte?
— Vida-morte, morte-vida, nada interessa: o que interessa é que haja modo e forma, percebe?
— Acho que não... nem ninguém vai perceber, parece-me.
— Discordo, não faltará quem perceba, o modo e a forma. Vai ver, não faltará quem perceba.

Espreitar pela vidraça, 1




GR - Está vivo!
ABB - Está morto!
MP - Dorme, quando muito.
FMO - Quem?
OMS - Lá vem este!
LQ - Quem?
OMS - Foda-se. Tantos dias sem aparecer e vem na mesma.
PS - Quem?
MP - Lá vem este?
CA - Outra vez?
GR - O quê?
ABB - Sei, lá. O Sr é que começou!
GR - Mas comecei o quê?
ABB - Isso queria eu saber!
FMO - Eu quem?
ABB - Eu quem?
OMS - Foda-se. Tirem-me este gajo da frente.
LQ - Qual gajo?!
OMS - A dormir é que você estava bem!
PS - A dormir?
OMS - Sim, não é o que tem estado a fazer?
CA - Eu?
ABB - Eu quem?
OMS - Foda-se. Outra vez a mesma fala é que não!
ABB - Foda-se digo eu. Que merda de conversa é esta?
MP - Conversa? Chama a isto uma conversa?
ABB - Não chamo nada. Nem digo nada.
GR - Não diz nada? E então não foi o Sr. que disse que estava morto?
ABB - E está!
GR - Está morto o quê!
LQ - Morto e bem morto!

Espreitar pela vidraça, 2




GR - Está vivo!
ABB - Está morto!
PS - Não está, não.
CA - Como é que sabe?
PS - Inda agora vi.
FMO - Inda agora viu?
PS - Sim.
MP - O quê?
LQ - O quê o quê?
CA - O Sr. Serra diz que viu.
LQ - Viu o quê?
FMO - Isso queria eu saber!
CA - Sr. Serra, o que é que viu?
PS - Vi que não estava morto.
FMO - Ai, viu?
CA - Eu também vi.
ABB - A Sra. também?
GR - E eu também vi qualquer coisa.
OMS - Claro. Não há duas sem três.
ABB - Seja como for, está morto!
GR - Está vivo!
MP - Dorme, quando muito.

Espreitar pela vidraça, 3



CA - Tenho a certeza!
OMS - Deve ser a única...
LQ - Olhe que ela tem razão.
PS - Eu também vi!
FMO - Viu o quê?
MP - Sr. Oliveira, essa não era a sua fala.
FMO - Então era qual?
MP - Sei lá.
OMS - Não há quem o ponha a dormir?
LQ - A quem?
OMS - A quem há-de ser! Um tiro certeiro é que vinha a calhar!
ABB - Não seja sarcástico!
GR - Então não vê que é o trabalho dele?
CA - Como é que ele se há-de sentir?
FMO - E em mim ninguém pensa?
LQ - Julga que temos tempo para isso?
PS - Vejam, vejam agora!
MP - O quê?
GR - Está vivo! Eu bem disse.

Espreitar pela vidraça, 4




GR - Está vivo!
ABB - Está morto!
MP - Dorme, quando muito.
OMS - Vou-me embora daqui.
FMO - Ai vai?
OMS - Não, não vou.
FMO - Mas disse que ia.
OMS - Podia ter dito outra coisa? Digam-me lá, podia ter dito outra coisa?
PS - Não se enerve, homem!
FMO - Tem de concordar que é estranho.
LQ - O quê?
CA - Dizer uma coisa e fazer outra.
OMS - Mas a questão é precisamente essa: fui eu que disse?
FMO - Então quem foi?
LQ - Eu é que não.
CA - Nem eu.
OMS - Reparem bem. Que o tipo é transparente como a água.
PS - Vejam, vejam agora!
MP - O quê?
GR - Está vivo! Eu bem disse.

Espreitar pela vidraça, 5




GR - Está vivo! Eu bem disse.
ABB - Qual vivo, qual quê!
PS - Vejam, vejam agora!
MP - O quê?
CA - Também vi.
FMO - Viu o quê?
OMS - A sua paciência esgota-me.
FMO - Mas que paciência?
OMS - Ainda pergunta?
PS - Vejam, vejam agora!
GR - Agora já não há dúvidas.
ABB - Não vi nada.
CA - Vi outra vez.
FMO - Mas viu o quê, santo Deus?
LQ - Calma, Sr. Oliveira.
CA - Vi-o mexer-se.
PS - Pois foi.
GR - Mexeu a orelha!
PS - Mexeu a cauda!
CA - Mexeu a narina!
ABB - Quando?
FMO - E como?, se está morto?
OMS - Morto e bem morto. Bem pode mexer.
MP - Isso é comigo?
GR - Está vivo! Eu bem disse.

Como disse?


«A verdade é que todos nós temos a mais viva admiração por Soares.»
Eduardo Prado Coelho, Público, 28 de Outubro de 2005

Um passo em falso

- Assistiu porventura à apresentação do manifesto eleitoral do decano da política portuguesa, Dr. Mário Soares?
- Sim, penso que o homem é um performer consumado. Estou a pensar cooptar aquele truque em que se esconde enfaticamente a senescência através de uma informalidade desmedida.
- E que mais? Não lhe merece reparo o discurso?
- Gostei particularmente daquele momento em que ele nos diz "devolver Portugal aos portugueses". Memorável frase de recorte fascista na boca de um prosélito anti-globalização.
- Um homem de esquerda a usar inefáveis adágios de extrema direita.
- Pois. De esquerda, republicano, laico, e tudo...

27 outubro 2005

...e no meio da agonia alguém, apesar de tudo, muda o disco!


Algures lá por cima, o Duque ri-se enquanto, algures cá em baixo, todos se esgadanham a trepar.

26 outubro 2005

Meta-qualquer-coisa-mente

Um leitor amigo — digamos que os leitores são sempre amigos — escreveu protestando, e decerto amigavelmente: as cornetas tocam há dias! então ninguém muda o disco? Mas, caro leitor amigo, não notou?! O Casmurro... levou tiro certeiro em pleno peito, deu duas voltas no ar e foi morder o pó, onde agoniza. Está a ver? ali mesmo... um pouco mais para a esquerda, isso, aí! Não lhe dizia? agoniza, o pobre diabo... Um tiro bem certeiro...

21 outubro 2005

A alma das cornetas



Neste dia, há 88 anos, na Carolina do Sul, nasceu Dizzy Gillespie. É impossível, para além de absurdo, ser "anti-americano".

Reposições ne varietur - 5

— Mas que melancólico o vejo, caro Groucho...
— Uma tristeza literária, imagine. Nunca me tinha acontecido.
— Como assim, literária?
— Calcule o senhor que, por uma vez na vida, estava no atrevimento de publicar um escrito, coisa de pouca monta, naturalmente, mas ainda assim minha, compreende? E vai daí, no ponto em que me preparava para a enviar com pedido de publicação, leio um texto que era, palavra por palavra e vírgula por vírgula, a reprodução das minhas ideias!— Não me diga! E quem o escreveu?
— Um tal Vasco Pulido Valente. Hoje mesmo, na última página do Público, pode o senhor ler a crónica que me devolveu, contrafeito, ao silêncio de sempre. E, por favor, não me acrescente a infelicidade revelando-me que já a leu...
— Lamento não poder mentir-lhe: já a li, de facto. Sextas, sábados e domingos levanto-me sempre cedo para ler e coleccionar as crónicas do Vasco Pulido Valente. Sou admirador incondicional desse que é o único cronista legível em jornais portugueses. Mas... não entendo. A crónica de hoje é sobre a morte de Álvaro Cunhal e, se não me engano, o meu caro Groucho tem dito coisas muito diversas sobre tal assunto em conversas que tenho ouvido por aqui. Não o supunha em concordância virtual com o Pulido Valente!
— Vê-se que me conhece mal. Nessas conversas, se tivesse bom tímpano, perceberia o meu amigo as afinidades que me ligam a uma famosa personagem de cinema: já ouviu falar de um tal Zelig? Não se recorda? A amnésia é um disfarce corrente da ignorância, espero que não seja o caso. Eu sou como o Zelig, no exacto sentido em que o Zelig costumava ser como aqueles com quem estava sem que, em si mesmo, chegasse a ser alguma coisa. Deixo-me contagiar pela opinião dos meus interlocutores a ponto de já nem saber onde eles acabam e eu começo. Agora a novidade, o engulho, está nisto de eu me confundir com opiniões que nem conheço! Aqueles paralelos de Álvaro Cunhal com Estaline, com Hitler, com Salazar são tal e qual os que eu escrevera, indignado com a onda de elogios estereotipados ao velho líder do PCP. As «virtudes» de Cunhal não se distinguem, como esse Vasco mostra, das que se encontram nos grandes ditadores, nos tiranos mais abjectos, no pior que o século XX deu à História. Citar a crónica de hoje, digo isto sem exagero, seria citar-me no espírito e na letra, veja o senhor a desgraça!
— Ora, não me vai dizer que até o título da crónica saiu igual ao do seu texto? «Portugal não se respeita»: era este o seu título?
— Sem tirar nem pôr! Absolutamente! A desgraça, meu caro, a desgraça é essa!— A desgraça é o título?...
— Claro. Porque o título é que tornava o texto meu, irrefutavelmente meu. Era a marca da minha ironia, porque sem ironia eu nem sei escrever. E agora, roubado por esse Vasco, tornou-se numa coisa séria, numa tese, que horror! E a tese, veja o senhor a miséria, nem sequer é dele, falta-lhe o ferrete da originalidade que a minha pena lhe gravara.
— Não é dele?
— Não e o senhor devia sabê-lo. Pouco me bastou investigar e logo tirei a limpo que, escrita por tal autor, a frase «Portugal não se respeita» significa, para todos os efeitos, «Portugal é uma choldra!». O meu texto era original e actual. Publicada como e por quem foi, aquela crónica é mais velha do que era o próprio Cunhal na hora em que morreu. Enfim, estão bem um para o outro...

GR, 17 de Junho de 2005

Reposições ne varietur - 4

EARLY FUCKING BLOGS

— Por onde anda esta gente, Groucho? Isto parece o Clube Diógenes.
— Nem tanto, senhor. São só casmurros…
— Raios!

ABB, 16 de Junho de 2005

Reposições ne varietur - 3

Diga-me cá, Groucho, costuma ler o Expresso?
- Francamente, Sr. Silvestre, tenho alguma dificuldade em lidar com essa expressão.
- Que expressão?
- «Ler o Expresso».
- E porquê?
- Bom, porque me parece que o Expresso compra-se, passeia-se, exibe-se, amontoa-se, mas ler, propriamente... Além do mais, quando me decido a lê-lo, aquilo não me leva mais de 15 minutos.
- Percebo. Mas olhe, sugiro-lhe que leia a edição de hoje, 10 de Junho.
- Revelações políticas?
- Não propriamente. Antes por causa de uma frase do director: «O Expresso não podia ser o que é sem o saco de plástico».
- Ele diz isso? Na coluna dele ou no editorial?
- Em entrevista, Groucho. É a entrevista do weekend, da semana, do mês e quiçá do ano. No Expresso, claro, numa boa dúzia de páginas. Segundo Saraiva, que é provavelmente o director de jornal mais entrevistado pelo seu próprio jornal em todo o mundo, a partir do momento em que passou a Espesso, o jornal passou a necessitar do dito saco (uma das três revoluções que o director terá protagonizado em 20 anos de casa: uma das outras, e de que ele muito se orgulha, foi a tabloidização do jornal). É caso para dizer que, mais uma vez, o meio é a mensagem. Na mesma entrevista, ficamos a saber que Saraiva aspira ao Nobel da literatura, tanto mais que começou a publicar romances mais cedo do que Saramago (não é bem verdade, mas faz sentido). Saraiva anuncia aliás o segundo romance, que em seu entender tem todas as condições para ser um êxito internacional (e, de facto, se uma coisa como Equador, que ostenta um solecismo na primeira frase, o é...). Ficamos também a saber que a famosa escrita do autor nas suas análises políticas - ponto parágrafo - é modernista, porque enxuta.
- Ernest Hemingway Saraiva, é? Será que devo chorar ou rir? Deseja mais um chá, Sr.?
- Sim, obrigado. Tudo isto seria apenas risível, de facto, não fosse Saraiva o responsável pela transformação do Expresso em Espesso, isto é, num paquiderme institucional cujo correlato político é obviamente neoconservador (lembra-se daquela memorável digressão dele sobre as diferenças entre homens e mulheres?). No que mais directamente nos toca, meu caro Groucho, convém não esquecer que foi Saraiva quem aniquilou a secção de Livros do Expresso, hoje por hoje a pior da imprensa de referência portuguesa - devir tão-mais chocante quanto, à data da subida de Saraiva ao poder, como se lembra, essa secção de Livros traçava a «linha geral» da política literária em Portugal. Aliás, as três ou quatro páginas sobre livros apenas se mantêm, entre a música e a crónica de João Carlos Espada (e porquê tal coisa no Actual, santos deuses?), por se considerar, suponho, que apesar de tudo um semanário de referência deve tratar de um ou dois livritos. É, diga-se, toda uma política cultural: a do livro como flor na lapela. Bastará a comparação com os suplementos literários dos grandes órgãos da imprensa europeia (com os quais o Expresso supostamente se equipara) para se ter noção da dimensão do vexame. E se quisermos ir ao Brasil, supostamente no 3º mundo (mas qual será então o nosso mundo?), comparem-se as raquíticas páginas que o Expresso dedica a livros com os suplementos literários da Folha de S. Paulo, do Estado de S. Paulo ou do Globo. Que me diz a isto, Groucho?
- Que só podemos, de facto, dar razão ao arquitecto Saraiva: o que seria do seu Expresso, e dos seus leitores, sem o saco de plástico?

OMS, 12 de Junho de 2005

Reposições ne varietur - 2

TAC, TACTAC: UM, DOISTRÊS LIMÕES

tac, tactac: um, doistrês limões mesmo à minha frente. caíam da árvore instantes antes de as nossas trajectórias se cruzarem. o maior ainda rolava no passeio quando passei por ele. resisti ao súbito impulso para o apanhar e morder. o pé de camurça castanha a desviar-se da casca amarela. umdois carros. pássaros. a casa de David Lot já se via ao virar a esquina. ia chegar antes da hora marcada, mas estava ansioso para ver a obra que ele arrematara para mim, poucas semanas antes desta embrulhada toda. que sorte do caraças. atravessar assim o começo da tarde. com 17 milhões de dólares suprematistas. ali à minha espera.

MP, 13 de Junho de 2005

Reposições ne varietur - 1

Isto difere pouco dum clube de cavalheiros enfadados e animados de ímpeto crítico — se me aceitam a descrição paradoxal. Não se confunde com o clube dos Hedonistas Cansados, de que falava certa figura de Oscar Wilde, mas poderia andar por aí.Como todo o clube de cavalheiros, vive da troca amena de ideias ou simples palavras entre os seus membros, e consequentemente não admite comentários de estranhos. Terá, aliás, severas regras de admissão. Vê-se que os membros fundadores se acham muitíssimo melhores do que os outros: como em todo o clube de cavalheiros, dificultarão o mais que puderem a entrada de novos membros. Mas provavelmente nem haverá candidatos.

ABB, 12 de Junho de 2005

Uma nova arquitectura sónica

Estou a ouvir The Young Gods há três dias, obsessivamente. O cd é uma antologia, xx years 1985 - 2005. Ninguém destrói melhor as tradições e os seus demónios que estes suíços que se consideram somente europeus. Escrevem eles: "The Young Gods are minimalist architects bootlegers. Recovering big budget energy (Tchaikowsky, Mozart, Madonna, Prince, Billy Idol, Van Halen...) low budget energy (punk, trash, hardcore, experimental...) and urban sonorities into 2-3 seconds samplings in order to retain them. Speed, movement, balance are readjusted to build a new sonic architecture".
Apraz-me dizer-vos que regressam a Portugal agora em Novembro.

Ao cuidado de Luísa Costa Gomes

Mas eu também prezo muito a tristeza, tem muito, muito valor. A tristeza educa.
Robert Walser, Jakob Von Gunten

20 outubro 2005

Identidade

Though both are bound in the spiral dance, I would rather be a cyborg than a goddess.
Donna J. Haraway

18 outubro 2005

Já agora...

...acrescento que o postalzinho anterior não foi concebido como uma forma enviesada de responder ao desafio da Clara Antunes. Nada de equívocos, por favor.

Nota de interesse puramente profissional

Isto que diz Lindsay Waters dificilmente se aplicaria ao mundo universitário português:

Spontaneity is essential to the operation of our conceptual capacities. Voluntary censorship has been a dominant force over the last twenty years in the university.

Por isso é que mantive a citação na língua original, de tal modo a afirmação se revela de pertinência estritamente local (Lindsay Waters, para quem não saiba, é norte-americano e Executive Editor for the Humanities na Harvard University Press). Adianto que o título do livrinho onde a frase foi lida, visto ser obra que nunca se justificaria traduzir, é este: Enemies of Promise, com o subtítulo Publishing, Perishing, and the Eclipse of Scolarship (completamente inútil indicar a editora, porque isto não interessa a ninguém salvo a universitários de carreira).

16 outubro 2005

Problemas do desafio (1)

― Já que aqui está, o senhor podia responder ao desafio.
― Hmmm… não sei.
― É assim tão difícil?
― Nunca é fácil.
― Ora… E a menina Clara ficava toda contente, já pensou?
― A resposta tem de estar à altura do desafio.
― Está com receio de falhar?
― De certa maneira, falha-se sempre.
― Sempre?
― Sim. O desafio é sempre assimétrico em relação a qualquer resposta.
― Importa-se de explicar?
― Posso dar-lhe um exemplo fresquinho. Um desafio de hoje mesmo.
― Outro?
― E vem a propósito: quem desafiou foi o Vasco Pulido Valente.
― A sério? Sabe, ainda nem tive tempo de pegar nos jornais…
― Ah sim, com o movimento que vai aqui no clube, deve estar cheio de trabalho, não é, Groucho?
― Aaaaaa…
― Não responda. Eu digo-lhe qual foi o desafio que fez o Pulido Valente.
― Mas diz agora ou vai só fumar um cigarro e depois diz?

Problemas do desafio (2)

― Digo já.
― Agradeço.
― Pois bem, o Vasco Pulido Valente desafiou alguém, entre os seus leitores, a criar um semanário que substitua o Expresso.
― Que substitua? Mas…em que sentido?
― Um concorrente. Capaz de destronar o Expresso da posição que ocupa e de lhe roubar o êxito imerecido que continua a ter.
― Mas porquê agora? Por causa da saída do memorável Saraiva?
― Precisamente. Segundo ele, essa saída é um sintoma da decadência do Expresso.
― E vai daí, desafia?
― Nem mais. Depois de dizer que “a oportunidade é agora clara”, pergunta explicitamente: “Quem se arrisca?” Aliás, acaba a crónica com essa pergunta.
― Bem, não há dúvida que se trata de um desafio. A menos que seja uma provocação.
― Garanto-lhe que é um desafio. Ele assegura que o país precisa desse “concorrente sério”.
― Ah bom, se o país precisa…
― Pois. O problema está aí.
― Problema?
― Claro! Quem é que no país está à altura de corresponder àquilo que o Pulido Valente acha que o país precisa? Está a ver o que eu quero dizer com o problema da assimetria do desafio?

Hermenêutica eleitoral (o argumento)

― Não chegou a dizer-me qual era o argumento.
― O argumento?
― Sim, o argumento. Disse que me dizia, mas depois foi-se embora.
― Ah pois, o argumento.

Hermenêutica eleitoral (o argumento, finalmente!)

― Tem razão. Bem, Groucho, o argumento diz exoticamente o seguinte:
― Sim?
― Que a estratégia de Marques Mendes não triunfou em toda a linha, pois faltou-lhe capacidade para derrotar os candidatos ditos “independentes” que o próprio Marques Mendes tinha afastado das listas do PSD por estarem envolvidos em processos judiciais (o Isaltino e “o Major”, em concreto).
― Hmmm… E quem é o autor desse argumento?
― Não me lembro, nem interessa. Importa é que tem andado por aí a ser propalado. E sem que ninguém objecte o óbvio.
― O óbvio?
― Sim. O óbvio é que Marques Mendes teve o triunfo que teve precisamente por ter perdido as duas Câmaras ganhas pelos candidatos-arguidos.
― Calma. Está a sugerir que, perdendo essas duas autarquias, Marques Mendes obteve duas vitórias? Há aí uma lógica que não deixa de ser também o seu tanto exótica…
― Exótica, uma ova! Vamos por partes. Primeiro ponto: o PSD demarcou-se notoriamente destes candidatos suspeitos tanto aos olhos da Justiça como aos da opinião pública; segundo ponto: não só se demarcou deles, como os combateu frontalmente; terceiro: articulou esse combate com o lançamento da suspeita sobre o modo como o PS se apropria do aparelho de Estado, agora que tem maioria absoluta; quarto: desvalorizou a hipótese longamente antecipada de vir a perder as duas autarquias dos candidatos ex-PSD (em contrapartida, apostando tudo o que tinha em concelhos politicamente muito mais importantes); quinto…
― Ui, estou mesmo a ver! Vai dizer-me que as vitórias do major e do Isaltino foram, na verdade, derrrotas, não é?
― Quase. O quinto ponto é este: o PSD conseguiu transformar em derrotas essas vitórias, no sentido em que as deixou expostas enquanto vitórias locais, isoladas e sobrecarregadas pelas piores conotações. Isto, aliás, explica tanto a falta de entusiasmo do Isaltino como a histeria apopléctica que se apoderou do Major, na hora das respectivas declarações de “vitória”. A verdade é que, ganhando nos votos, ambos perderam em toda a linha e são hoje mais suspeitos do que nunca.
― Mas pode dizer-se o mesmo de Fátima Felgueiras, ou não?
― Pode, claro, com a diferença de que o PS pouco fez para isso. E nada beneficiou, ou quase nada. Até aí o PSD soube explorar as ambiguidades do comportamento socialista.

Hermenêutica eleitoral (epílogo)

― A sua análise é impiedosa, hã?
― Impiedosa e inútil.
― Inútil? Porquê?
― Inútil, sim. Acessória. Secundária. Acidental. Profundamente fútil, como explicou o Pulido Valente na sexta-feira.

Hermenêutica eleitoral (lição)

― E nesse caso o que é o essencial, o principal, o substancial?
― Oh Groucho, que pergunta! O essencial, nos dias que correm, só se sabe o que é de uma maneira: lendo o Pulido Valente. Por que é que o senhor julga que ele escreve?

Hermenêutica eleitoral (resto)

― Já agora, diga-me... e o caso Isabel Damasceno?
― Lá está, lá está! Eu não lhe disse que era fútil?

15 outubro 2005

Responde Graeber

Enquanto os cavalheiros não se decidem a dizer sequer uma palavra sobre o desafio que lhes coloquei, adianto aqui (com a ajuda do Sr. Baptista, a quem agradeço) uma resposta pela negativa do ex-professor de Yale, David Graeber, anarquista confesso:

The role of intellectuals is most definitively not to form an
elite that can arrive at the correct strategic analyses
and then lead the masses to follow.

Está na página 11 de Fragments of an Anarchist Anthropology, logo antes da defesa das virtudes do trabalho etnográfico para uma redefinição do papel do intelectual, o que talvez agrade aos Srs. Rubim e Quintais ou, pelo menos, os ajude a responder ao meu desafio de forma mais célere. Digo eu.

13 outubro 2005

Resposta tardia

Caríssimo Sr. Rubim

Agora que já nos entendemos em privado, e conforme aliás concordámos, parece inevitável deixar aqui uma nota pública, embora tardia, em resposta ao postal que me endereçou.

Vou ser breve. Como todos sabem, tenho estado fora do convívio regular com o nosso clube, por motivos pessoais. Foi por isso que me limitei a contactá-lo directamente ― não havia tempo para mais e só esse contacto era urgente. Não imaginei que o meu papelucho causasse prejuízo nos seus relacionamentos e quezílias no clube. Talvez seja eu que sou muito ingénua, ou distraída, não sei, mas nunca os aborrecimentos que contou passaram pelas minhas previsões. O que escrevi era o que queria dizer e, se o provoquei, foi porque me lembrei de si imaginando que aquele tema seria do seu interesse. E, de facto, era, pois a verdade é que me desafiou a desenvolver a curtíssima explicação que dei sobre o que é ou não é um intelectual. Confesso-lhe que já fui depois novamente desafiada no mesmo sentido, mas por ninguém com a mesma simpatia.

Passados e resolvidos os efeitos indesejados, aproveito esta ocasião para me explicar então um pouco melhor. E para lançar também eu um desafio, como verá.

Quando eu disse que me irritava com o facto do Dr. Pacheco Pereira ser tomado por um intelectual, quando nunca o pode ser por estar constantemente na praça pública, era evidente que estava apenas a tentar ser rigorosa. Uma pessoa nessas condições ― e há muitas para além do Dr. Pacheco Pereira, tanto dentro como fora de Portugal ― não é um intelectual pela simples razão de que não é a partir de um pensamento ou de uma obra que emite opinião, mas, quando muito, a partir da multiplicação de opiniões que simula ter um pensamento ou uma obra. Se nos lembrarmos que, no século XX, o modelo do intelectual foi Sartre, esta diferença fica claríssima, acho eu. Sartre foi, em primeiro lugar, o pensador existencialista (e talvez o escritor) e só depois o homem com as intervenções políticas que toda a gente conhece, algumas delas bem lamentáveis. A autoridade que se lhe conferiu, nem que fosse para o atacar, no capítulo das opiniões políticas (porque eram todas dessa natureza, no fundo), dependeu da forma como a sua obra de pensador se impôs, e não o contrário. Ora, é por demais evidente que não foi na nem para a praça pública que Sartre escreveu O Ser e o Nada (que a praça pública nunca leu nem faz ideia do que seja).

Se as pessoas tivessem uma ideia do que foi, no século XIX, o nascimento do publicista, esta explicação seria, como deveria ser, completamente supérflua. Para interpretar as frases do Dr. Pacheco Pereira que eu citei nem é preciso tanto, porque cabem inteiras em duas linhas de Blanchot: "Intelectual, eis aí uma palavra de má reputação, fácil de caricaturar e sempre pronta a servir de injúria." Ainda assim, lanço o meu desafio: que dizem os cavalheiros deste clube a pronunciar-se, cada um por si, sobre o que é hoje um intelectual? Fico à espera da resposta.

Com as melhores saudações casmurras da

Clara Antunes

A perda


… e compassivo, muito compassivo mesmo:
— Vai ver que se habitua, não é uma perda irremediável, não é sequer uma perda, bem vistas as coisas…
— Claro que é uma perda, Groucho, e grande. Não adianta dissimular, tem que se encarar: uma perda grande.
— Mas perda de quê? o que se perdeu ao certo? A meu ver nada…
— Porque você é anarquista e abomina chefes e directores…
— Ora, não vejo a relação: continua a haver um director…
— Mas agora é outro, Groucho, é outro. Perdemos a excepção de ouro, não percebe? Passámos anos a dizer coisas como «nada é fixo neste mundo, excepto, claro, o director do Expresso», «nada se mantém para sempre, excepto, claro, o director do Expresso», «nada dura indefinidamente, excepto, claro, o director do Expresso»… percebe o que lhe estou a dizer? É como se, à nossa escala, tivéssemos perdido as pirâmides do Egipto ou a velha Jerusalém, sei lá, tudo isso que vem de muito antes e permanece muito para lá de ficarmos reduzidos a pó… era a nossa excepção, o nosso corrimão, a nossa garantia de que alguma coisa dura, permanece, fica.
— Percebo, acho. Mas a sua perspectiva é hoje melancólica. Pode ser que mude. Pode ser que mude quando notar que o Expresso, o próprio jornal, esse permanece e até melhora com o novo director….

(Riem-se ambos com gosto.)

Livro de pequeno porte



À atenção do Groucho, para próxima folga.

12 outubro 2005

Então esta, afinal, não é do Groucho?

I'll come and make love to you at five o'clock. If I'm late, start without me.

Encontrei-a aqui.

11 outubro 2005

Hermenêutica eleitoral (prolegómenos)

― E então, Groucho, reparou nos comentários?
― Se reparei? Com aquela abundância, como queria que eu não reparasse? As pessoas aparentemente ficam à espera dos resultados, mas as eleições já não se decidem nos resultados, e do que as pessoas realmente estão à espera é dos comentários. As eleições, hoje, são os comentários!
― Ou os comentários são as eleições…
― Das duas fórmulas, prefiro a minha, talvez com uma ligeira variante fenomenológica: as eleições são-para-os-comentários.
― Aceito, embora a enunciação mais correcta talvez fosse antes assim: o ser-das-eleições é um estar-aí-para-os-comentários.
― Mas note que subsiste sempre a pequena incerteza de saber se podemos pensar o voto em termos de um estar-aí ou, ao invés, teremos de concebê-lo na modalidade de um a-fazer-se que, por fim, nunca é um já-feito mas apenas a seta apontando para o perfazer-se-em-compreensão que anuncia o advento e o evento do comentário propriamente dito.
― Bem visto. O meu ponto, porém, é outro. Ou melhor: é o devir-outro do comentário, o ponto abissal ou deriva desestruturante que põe a compreensão-enquanto-perfazendo-se no limiar não-conceptual de um puro desfazer-se-de-toda-a-compreensão-enquanto-tal.
― Estou a ver, estou a ver… O seu problema, traduzido em linguagem pouco rigorosa (para dizer o mínimo!), circunscreve-se à desconcertante emergência de comentários, digamos, profundamente estúpidos.
― No limite, sim. Para já, investigo apenas (mas muito haveria a escavar nos subterrâneos deste “apenas”) a ocorrência, sem dúvida anómala, de um único e específico argumento cuja repetição ameaça derrotar na raiz qualquer projecto de hermenêutica eleitoral orientado para a finalidade de perceber-alguma-coisa-disto (um conceito que precisa de maior elaboração, não contesto).
― E que argumento é esse?
― Deixe-me só acender um cigarro e já lhe digo.

10 outubro 2005

Lâmpadas

— E então, Groucho, mudou muitas lâmpadas ontem?
— Lâmpadas?! Havia lâmpadas fundidas? Não dei por nada…
— Não, homem, referia-me à sua anedota anarquista… votou com os que perderam? com os que mudaram? votou com os que ganharam? votou no Isaltino?
(Riem-se ambos com gosto.)
— Falando em lâmpadas, boa luminária, esse Isaltino… homem sábio está ali, sabia que o povo de Oeiras o aclamaria.
— Falando em luminárias, que me diz ao filósofo de Lisboa?
(Riem-se ambos com gosto.)
— Fora de brincadeiras, senhor, esclareço que não voto. Nunca.
— Nunca? Nem em branco?
— Qual branco! Fique sabendo que, entre as minhas convicções estabilizadas, está… hummmm… o anarquismo.
— Um vegano anarquista….
— Talvez prefira anarquista vegano.
— Como lhe aprouver. Sabe que nada disso me admira?
— Nem devia admirar, porque lho esclareci há tempos: todo o homem, qualquer homem, pode ser um ponto de resistência.

(Riem-se ambos com gosto.)

09 outubro 2005

Mais uma prova

― O que se passa?
― Tenho mais uma prova.
― Da pujança da crítica?
― Sim.
― E qual é?
― Na verdade é mais que uma.
― Mais que uma? Quais, então?
― Epítetos.
― Epítetos?
― Sim. Uma série deles.
― Aplicados à crítica?
― Não, aos críticos.
― Que epítetos?
― Vários. Por exemplo, “abnegados cavaleiros andantes”. No plural, note.
― Hmmmmm.
― E também “consciências mandatárias da crítica”.
― Fraquito, não acha?
― Há melhor.
― Pelo mesmo autor?
― Sim. E no mesmo texto.
― Diga.
― “Incontinentes da opinião”.
― Sugere decrepitude, mas é pouco exacto.
― Sim, aplica-se melhor aos feitores de opinião pública.
― Há mais?
― Mais três.
― Chute.
― O autor diz que “os críticos são rémuras”.
― Rémoras? Peixes-piolho?
― Creio que sim, mas ele escreveu “rémuras”, com “u”.
― Mordido pela ortografia, coitado. Mais?
― Também os apoda de “parasitas decompositores”.
― Parasitas de compositores?! Então mas está a falar de crítica literária ou de crítica musical?
― Literária. Escreveu “decompositores”, tudo junto, creio que no sentido de “agentes de decomposição”.
― Não sou filólogo, mas existe abonação para tal morfologia?
― Sim, existe. Usa-se em biologia.
― Nesse caso, bate certo com os parasitas. Não parece é muito consistente com as rémoras, que habitualmente não contribuem para a decomposição dos tubarões.
― O problema está nos escaravelhos.
― Escaravelhos?!
― Sim, é o último epíteto que aplica aos críticos e aquele de que eu gosto mais: “escaravelhos das letras”.
― Oh!...
― Também gostou, não foi?
― Pode dizê-lo! Difícil explicar porquê, mas… lembra-me Edgar Alan Poe e…
― Sim, é uma metáfora brilhante, literária se não for mesmo poética, um achado que dignifica a crítica e…
― …e lhe atesta a pujança, certo?
― Certíssimo! Só é pena a figura estar incompleta.
― Como assim?
― Creio que ele estava a pensar no contexto nacional.
― E então?
― Deveria ter acrescentado que são escaravelhos do deserto. Com uma arte admirável para procurar alimento onde ele chega a rarear, às vezes, anos a fio.
― Parasitas sem hospedeiro?
― Não, não! Os escaravelhos não são parasitas, Groucho!
― Desisto.

O despertar do Casmurro, 1










- Parece que sim.
- Parece que sim?
- Sim, parece que sim.
- Sim, parece que sim?
- Sim, que parece que sim.
- Que merda de palíndromo é esse?
- Vá mas é.

O despertar do Casmurro, 2




















- O quê?
- O quê o quê?
- O Sr. é que perguntou.
- Eu?
- Não. Fui eu!
- Bem me parecia.
- O quê?
- O quê o quê?
- Que palíndromo!
- Palíndromo ou anagrama?
- Acróstico!

O despertar do Casmurro, 3



















- Hibernação...
- Latência...
- DTA.
- DTA?
- Diminuição Temporária de Actividade.
- Letargia, portanto.
- Não, isso não.
- Já fixei os posters.
- Os posters?
- Sim, os posters.
- Não percebo.
- Onde há posts, há posters.
- Ai há?
- Ah yah?
- Não, ai!
- Magoou-se?
- Ai, ai, ai!
- Mas o Sr. fixou o quê?
- Oito, fixei os oito.
- Fixou?
- Para a posteridade.
- Poster póstero.
- Isso mesmo.

O despertar do Casmurro, 4



















- Ressonava?
- Quem?
- O Sr., pois quem senão.
- Eu? Não prego olho há que noites.
- Não prega olho? Não prega olho, mas estava ferrado...
- Quem me dera! É só noites em branco.
- Isso sei eu.
- O que é que quer dizer com isso?
- Nada. Olhe, que ando para aqui que nem um fantasma.
- Também me fazia falta!
- O quê?
- Um espectro. Ao menos um espectro!
- Ao menos um espectro?
- Sim, qualquer coisa que me agitasse por dentro.
- Ferrado dessa maneira?
- Já lhe disse: nem passei pelas brasas.
- Isso sei eu.
- O que é que quer dizer com isso?
- Nada. Olhe, que ando para aqui que nem um fantasma.

O despertar do Casmurro, 5













- Ora, viva!
- Muito se dorme...
- Não entendo a que se refere...
- Pudera!
- Eu não estive a dormir.
- Então esteve a quê?
- Estive a trabalhar.
- Um onírico portanto! Ou, quiçá, um sonâmbulo!
- Nem uma coisa nem outra!
- A escrita é uma coisa delicada.
- Delicadíssima.
- Era o que eu dizia.
- Requer pausa...
- Cochilos frequentes...
- E ponderação...
- Longas sestas...
- E muita reflexão...
- Sonos profundos...
- Tudo menos precipitação.
- Narcolepsia.
- Antes pelo contrário.
- A narcose dos dias.
- A espuma dos dias.
- Isso, sobretudo isso.

O despertar do Casmurro, 7



- Hum?...
- Já acordou?
- Hã?...
- Isso é que foi dormir!
- Hum?...
- O sono dos justos!
- Hã?...
- Vejo que me enganei.
- Hum?...
- Bocejo entorpecido.
- Hã?
- Preguiçar sonolento.
- Hum?
- Vou-me embora.
- Então vá.

O despertar do Casmurro, 6


- Quem é?
- Sou eu.
- Eu quem?
- Eu, o Groucho. Marque-se!
- Há que tempos!
- Mas há que tempos o quê?
- Há que tempos que não o via.
- Pois, se dorme todo o tempo...
- Durmo todo o tempo?
- Sim, este é um blogue adormecido.
- Cada blogue tem o soneca que merece.
- Isso é comigo?
- Não! É comigo...
- Acordou mal disposto, estou a ver.
- Sim, estou no limiar.
- No limiar?
- No limbo.
- No limbo?
- Na transição entre dois estados.
- Dois estados?
- Entrar e sair.
- Tem graça!
- Viver e morrer.
- Acordar e dormir.
- O que está a insinuar?
- Nada. Observo apenas.
- O quê?
- Os dois estados. O limbo. O limiar.
- Rir e chorar.
- Escrever e calar.
- O que está a insinuar?
- Nada. Observo apenas.
- O quê?
- Os dois estados. A dor subterrânea que percorre tudo isto.
- Isto?
- A soleira da porta.

O despertar do Casmurro, 8

- Tive um sono!
- Um sonho?
- Sim, isso, um sono.
- Um sonho, portanto.
- Sim, um sono onírico.
- Ah, pois! Um sonho!
- Um sono onírico maravilhoso.
- Ah, sim? E que sono foi esse?
- Sonei que tinha tido um sono.
- Quer dizer, sonhou.
- Sim, sonei.
- E que sonho foi esse?
- Não foi um sonho.
- Ah não?
- Não, já lhe disse. Foi um sono. Tive um sono!
- Um sonho?
- Sim, isso, um sono.
- Um sonho, portanto.
- Sim, um sono onírico.
- Ah, pois! Um sonho!
- Um sono onírico maravilhoso.
- Ah, sim? E que sono foi esse?
- Sonei que tinha tido um sono.
- Quer dizer, sonhou.
- Sim, sonei.
- E que sonho foi esse?
- Não foi um sonho.
- Ah não?
- Não, já lhe disse. Foi um sono. Tive um sono!
- Um sonho?
- Sim, isso, um sono.
- Um sonho, portanto.
- Sim, um sono onírico.
- Ah, pois! Um sonho!
- Um sono onírico maravilhoso.
- Ah, sim? E que sono foi esse?
- Sonei que tinha tido um sono.
- Quer dizer, sonhou.
- Sim, sonei.
- E que sonho foi esse?
- Não foi um sonho.
- Ah não?
- Não, já lhe disse. Foi um playback.
- Um playback?
- Sim, um déjà lu.
- Um déjà vu?
- Sim, isso, um déjà lu.
- Um déjà vu, portanto.
- Sim, um déjà lu onírico.
- Ah, pois! Um déjà vu!
- Um déjà lu onírico maravilhoso.
- Olhe, durma mas é.

Outros problemas...

— Acabo de ver o primeiro episódio, e ou o senhor está a ficar estúpido ou me enganou deliberadamente.
— Estou a ficar estúpido, claro. Não engano ninguém deliberadamente, Groucho. Ofende-me que sequer adiante essa hipótese.
— Então explique-me por que raio me disse que o ranho na mão era o único problema moral no primeiro episódio, quando há outro, bem mais evidente, mais óbvio, diria até gritante…
— Gritar é que não, por favor. Qual é?
— O presente do décimo aniversário de casamento. Lembra-se? a mulher do Larry David tinha prometido, dez anos antes, que ele poderia ter relações sexuais com outra mulher, uma única vez, como prenda do décimo aniversário.
— Ora, Groucho, e isso é um problema moral? O problema do ranho é um problema moral: aperto-lhe a mão, respondo ao gesto de cortesia do outro e fico sujo, ou escolho ficar limpo, mas para isso tenho que repudiar a cortesia? O presente de aniversário não tem conflito, nem especial necessidade de decisão, é presente, justamente… dádiva, coisa autorizada… só fica por determinar se ele consegue. Quando muito, um problema narrativo, que aliás se mantém pelos dez episódios, espécie de fio condutor: será que o Larry David consegue o presente?
— E aquilo do Mel Brooks, já agora? Que ideia a dele, convidar o Larry David para representar o protagonista na nova montagem dos Producers…
— Isso é outro fio condutor, mas retroactivo, acho: convidar um desastre ambulante, um tipo que estraga tudo em que toca, que não sabe cantar nem representar, para o papel principal dum musical?! Mesmo sendo Mel Brooks quem convida, o certo é que o convidado é… Larry David! Mas veja o resto, veja até ao fim, tudo, os dez episódios.
— Então, com sua licença.

Ouvir dizer

— Desculpe interrompê-lo, mas é verdade que em tempos fez na sua Faculdade um seminário sobre a noção de testemunho?
— Eu?! Não, Groucho, informaram-no mal. Mas a que vem isso?
— Pensei que, enquanto especialista, podia esclarecer-me a respeito dum episódio que me deixou perplexo.
— Não sou especialista, mas sou curioso… um episódio?! conte, vá.
— Resumindo, é isto. O cronista Eduardo Prado Coelho foi ao Brasil, participar num congresso de professores de literatura portuguesa. Sabe disso, não?
— Sim, li qualquer coisa. E então?
— Depois escreveu sobre o assunto, como é hábito dele. Pelo meio, informava que João Barrento lá tinha estado também, apresentando um panorama pessimista da literatura portuguesa actual.
— Ah, sim, li no «Mil Folhas» um artigo do João Barrento a esclarecer que não era bem isso…
— Exacto. Mas não é esse o ponto: o ponto, e aqui peço a sua contribuição analítica, porque eu não entendo, é que o dito Prado Coelho, no mesmo «Mil Folhas», confessava ontem por sua vez, e muito simplesmente, que não tinha assistido à comunicação de Barrento, que se fiara na impressão que lhe fora transmitida por um «colega brasileiro». Afinal até concorda com Barrento, não devia era ter dado ouvidos ao colega…! Desculpe a minha ingenuidade, mas isto acontece muito? Tanto que seja quase irrelevante fazer artigos, e sobre coisas que aconteceram longe, repetindo o que se ouve dizer a outros?!
— Percebo porque se lembrou do testemunho… Mas olhe que pensar assim vale por dar excessiva importância ao assunto. Não se trata de testemunho, mas de vulgar decoro…
— Decoro?!
— Sim, repare que ficaria mal escrever qualquer coisa como isto: «Estive há dias num congresso, no Brasil, onde conversei com imensos colegas, portugueses e brasileiros, enquanto se iam sucedendo comunicações. Aliás, também apresentei uma, a que toda a gente assistiu. Ouvi dizer que o João Barrento fez uma coisa meio pessimista sobre a literatura portuguesa. Não tive oportunidade de conversar com ele sobre isso, porque há muita gente a querer falar comigo, mas aqui fica a informação, foi o que me disseram.»
— Realmente indecoroso.
— Extremamente indecoroso.

08 outubro 2005

Reflectir

— Quer ouvir uma piada anarquista? É excelente...
— De si, qualquer piada é surpreendente, Groucho. E ainda em cima anarquista?
— É verdade. Quantos eleitores são precisos para mudar uma lâmpada?
— Ora, Groucho, sei a resposta: nenhum, porque os eleitores não mudam nada.
— Bolas! que fiasco, e eu que pensava que… tenho que reflectir, tenho que reflectir...

Resposta

Talvez a menina Clara prefira muco da esternutação... em vez de ranho do espirro, quero dizer.

Pergunta

Estou para aqui a perguntar a mim mesma isto: se estes gajos querem mesmo discutir o ranho na mão depois do espirro, não terei chegado aqui demasiado tarde? Por outro lado, há lá coisa mais insalubre que essa mania dos beijinhos a torto e a direito, a conhecidos e desconhecidos… sabe-se lá onde andaram com a cara, onde andaram com a boca... Não teremos chegado todos demasiado tarde, mesmo os ranhosos, coitaditos?

07 outubro 2005

O problema (enfim, um exemplo)

— Tome nota, então do problema, Groucho.
— Estou pronto.
— Um sujeito, digamos, Alberto, encontra outro, mais ou menos conhecido, digamos, Xavier. Conversam durante alguns minutos à porta dum teatro. A certa altura, Xavier espirra, amparando o espirro com a mão direita…
— Amparando?! Para o espirro não cair?
— Pôs a mão à frente do nariz, homem, talvez para não sujar o outro…
— Ah, percebo. Também faço isso, claro. E depois?
— Depois, despedem-se, o Xavier estende a mão ao Alberto, que não se mexe e por sua vez se despede com um ligeiro aceno.
— Não me vem falar agora do episódio grotesco do Carrilho com o Carmona…
— Não, Groucho, estou a falar dum encontro do Larry David com o Ben Stiller, na série
— Ah, percebo, o seminário. E qual é o problema?
— O Larry David escusou-se a apertar a mão que amparou o espirro, percebe? Com medo de ter ranho, ou mesmo convencido de que tinha ranho…
— E isso é um problema moral?
— Se não for, no primeiro episódio não há outro. E a ideia do seminário foi sua, ou não?
— Raios…!

O seminário

— A menina Clara telefonou a pedir que a pusesse na lista de espera…
— Que lista de espera, Groucho?
— A sua lista de espera, senhor, para o empréstimo dos dvd’s do tal Larry David.
— Essa agora, não sei de nada… E não sou amigo de emprestar, aliás. Quem empresta…
— …não melhora, pois. Sei disso, e até estranhei que se tivesse oferecido para me emprestar a caixa.
— Era genuína, a oferta, Groucho. Acho…
— Pois, pode ser. Mas também não gosto de empréstimos, e tive ideia melhor. Se me dá licença…
— Mas ideia melhor para quê, ao certo? Para que problema, que aflição, que conflito…
— Nada disso, ideia melhor para o clube, para o Larry David, para a curiosidade que se gerou por aí… Repare: promovíamos sessões de visionamento colectivo, uma por semana, um episódio em… quantos episódios são?
— Dez.
— Pois, então dez semanas. Praticamente um semestre. Para cada episódio, um relator ou comentador, que falaria depois do visionamento. Seguia-se discussão. Que tal? Uma espécie de seminário…
— Nova versão do clube de leitura, Groucho? Esse seu vezo organizativo… programas, relatores, calendários, chiça, se fosse você a mandar até tínhamos estatutos!
— Que boa falta fazem, nem que fosse para combater o absentismo. Mas a minha ideia é boa, esta é boa. Seria a bem dizer um seminário de filosofia moral em regime faceto. Não me diga que não lhe agrada!
— Hum… por acaso… até me ocorre um exemplo dum bom problema moral…
— Aí tem! Vamos a isso?

Provas

― Mas a menina Clara nunca mais respondeu ao seu postal?
― Não, nunca.
― Que estranho…
― Não penso nisso.
― Pois, deve ter mais com que se preocupar, acredito.
― Tenho feito descobertas de grande importância.
― Descobertas? Como assim?
― Descobri por exemplo que, ao contrário da tese corrente, a crítica literária continua pujante.
― A crítica? Pujante?
― É verdade.
― Isso precisa de muita argumentação…
― Não precisa. Tenho provas.
― Provas?
― Sim, provas.
― Mas que tipo de provas?
― Provas que provam, sem margem para contestação.
― É lá possível! Mas provam como?
Cabalmente.
― Tem a certeza disso?
Absoluta.
― Descobriu alguém que tem uma obra crítica inédita, não?
― Não. Estou a falar de crítica publicada.
― Alguma dessas revistecas académicas que ninguém lê, com certeza…
― Pelo contrário. Bastante acessível.
― Acessível? E por consequência simplista…
― Digo que é competente e minuciosa.
― Tal e qual como a crítica deve ser?
Rigorosamente.
― Mas branda, aposto.
― Quase destrutiva.
― Mas com os fracos, não?
― Com os que andam por aí mais ou menos impunes e até, pasme, com os poderosos.
― Enquanto não me mostrar isso, mantenho a reserva.
― Mas é que não tenho feito outra coisa!

05 outubro 2005

Hi, Larry! (2)

— Não vai sair da frente dessa televisão, senhor?
— Hum, hum…
— Vai?! ... vai mesmo!?
— Hum, hum…
— Ah, pois, nem ouve! não está farto de estar aí sentado? a olhar para a televisão? a ver esse careca a azucrinar os outros…
— Larry David, Groucho, e alegra-me saber que vai deitando o olho. E não é azucrinar… Isto é irresistível.
— Deve ser, caramba. Vejo-o aí há horas.
—Há por exemplo um cego, que vem de um episódio extraordinário da primeira série, e está convencido de que namora uma modelo. Claro que o Larry não resiste, e lá lhe dá a entender que a mulher é um estafermo… Depois tem que lhe arranjar outra namorada e aspirar-lhe a casa. Se quiser empresto-lhe a caixa. Mas agora pire-se daqui, vá lá. Ainda me faltam dois episódios e não tenho muito tempo.
— Bela crise, não há dúvida. Sabe que houve quem acreditasse?
— Chiu, ponha-se ao fresco, vá lá.

03 outubro 2005

Hi, Larry!



01 outubro 2005

Postal sem sobrescrito dirigido a Clara Antunes, casmurra


Caríssima Clara:

Vejo que deixou ontem, aqui no clube, um bilhetinho onde manifesta preocupações ou, ao menos, se entrega a elucubrações sobre o estado actual da minha pessoa. Diz, em particular, que eu “devo andar distraído” e que “quando acordar”, não sei quê, não sei quê, e tudo a propósito de umas frases que eu deveria ter lido e que, supostamente, me desagradariam.

Ignoro que intenção a moveu ao certo. Terá querido impressionar-me e aos restantes casmurros com o conhecimento das idiossincrasias de cada um de nós, começando pelas minhas? Percebeu, se assim for, que sou distraído e que me incomodo com atitudes públicas grosseiramente anti-intelectuais. Parabéns. A continuar por esse rumo, ninguém aqui terá segredos que escapem à sua perspicácia. Ou terá antes querido sublinhar a sua cumplicidade com as reservas que em tempos exprimi acerca das ideias e do discurso do Dr. Pacheco Pereira? Esta hipótese tem consequências mais complicadas, uma vez que poderia perfeitamente ter marcado a sua posição sem necessitar do meu aval (se de aval se tratou). Como sabe, o nosso clube preza enormemente o espírito individualista e a liberdade de cada um pensar e agir segundo as suas próprias boas ou más inclinações (sim, sim, as más também!).

Eu quero crer que a sua inclinação, nesta circunstância, foi boa, se não mesmo excelente. Chamou-me à liça assim ao jeito de quem tem saudades. Comoveu-me, é inútil esconder-lhe a verdade. Ocorre, porém, que esta nossa facilidade de entendimento afectivo (se assim me posso exprimir) encontra o obstáculo, quem sabe previsível, de nem toda a gente compreender que é disso que se trata. Como a Clara diria, eu explico-me.

Muitos dos nossos confrades nesta agremiação aproveitaram de imediato para me interrogar sobre certa falta de assiduidade que tiveram mais facilidade de me apontar do que a eles próprios (como se passassem cá a vida). Naturalmente, reagi e também lhe confidencio que nem sempre as minhas reacções se pautam pela brandura. Numa palavra, houve zangas. Decerto foram efeitos colaterais do seu bilhetinho, que não intencionais, mas foram. Enfim, há-de passar. Mais grave foi o que tive de ouvir do nosso Groucho. Segundo ele, eu só cá venho para colar fotografias nas paredes e nunca antes ouvira eu que tal coisa o apoquentasse. Pois que sim, que isto parecia uma espelunca com as fotos por aí espalhadas, que dava mau aspecto, que era uma desarrumação, teve mesmo o desplante de me garantir que as imagens nem sequer eram do melhor gosto. Na parte final, tenho a certeza que me levantou a voz, calcule a Clara! Neste momento, já entrei em despesas para emoldurar as fotografias, a fim de não se concretizar a ameaça de irem todas para o lixo.

Porque estou eu a contar-lhe tais agruras? Muito simples. Com o intuito de lhe pedir que, da próxima vez, evite recados públicos. Tire-me da distracção, mas pessoalmente. Por qualquer motivo obscuro, a conjuntura anda propícia a crises da mais diversa ordem e eu gostaria de evitar que elas afectassem o nosso clube. Fora isso, estou inteiramente de acordo consigo: se há coisa que Pacheco Pereira não é, é aquilo a que legitimamente se pode chamar um “intelectual”. Contudo, muito apreciaria que a Clara elaborasse um pouco a explicação que deu para essa evidência. Pode ser?

Com toda a cordialidade,

Gustavo Rubim