05 setembro 2005

Interlúdio em um Acto (cena 3)


















Boca de Cena – Então, dizes-me o que se passa?
Pano – Só se não disseres a ninguém.
Boca de Cena – Claro. Fica um segredo entre nós os dois. Já temos muitos segredos os dois, não temos?.
Pano – Pois, é verdade!
Boca de Cena – Então, é só mais um. Assim crescem os nossos laços.
Pano – Mas tens de prometer uma coisa.
Boca de Cena – O quê?
Pano – Não dizes nada à teia.
Boca de Cena – Eu nunca digo nada à teia. Se calhar és tu que lhe dizes.
Pano – Eu?
Boca de Cena – Pois, tu! Não costumas subir lá para cima? E não dizes que falas no sono?
Pano – Se calhar tens razão. Tenho de ter mais cuidado.
Boca de Cena – Então, afinal porquê essas pregas e essas olheiras?
Pano – Sabes, tenho de falar baixinho.
Boca de Cena – O quê? Fala mais alto.
Pano – Tenho de baixar a voz. Eles andam aí.
Boca de Cena – Eles?
Pano – Sim, são oito, e às vezes nove.
Boca de Cena – Mas o que tem isso de especial? Esta vida é assim: há dias em que é só um ou dois, noutros dias são multidões a andar de cá para lá e de lá para cá.
Pano – Não é por isso. Não é por serem oito ou nove. É o que eles fazem e dizem.
Boca de Cena – Mas isto é mesmo assim. Nem pareces um pano lavado e remendado. Eles não têm culpa nenhuma. Está tudo no guião.
Pano – Com estes não. Dizem coisas à toa e fazem o que lhes dá na cabeça. Vê-se bem que não têm guião. Ainda por cima não têm consideração nenhuma por mim.
Boca de Cena – Como assim?
Pano – Sobem-me e descem-me de qualquer maneira. Vê lá tu, que um deles até se pendura em mim e se põe a baloiçar de um lado para o outro.
Boca de Cena – Não me digas!?
Pano – E há outro que me põe a falar, assim, despudoradamente, à boca de cena.
Boca de Cena – Realmente... se fosse a ti, não me prestava mais a isso. Não se trata um pano assim.
Pano – Chiu!, parece que estou a ouvi-los. Já lá vêm outra vez. Cala-te agora...
Boca de Cena – Sai da frente, sai da frente, deixa-me espreitar...