«Tiago, come o pão»
«Tiago, come o pão. daqui a bocado chega a tua mãe.» nos dias da piscina lanchava mais cedo. «Graça, já me posso levantar?» no grupo dos cinco anos era um dos poucos que raramente chegava a adormecer. «chiu! dorme, dorme, não vês que os meninos estão todos a dormir.» naquele dia da semana a excitação era sempre maior. mal passava das três e meia quando acabou por sair da sala. a voz da Joana na penumbra. uma fresta de luz a iluminar as partículas de pó. o Pedro a fazer aaaahhhhhaaaahhhhhaaaahhhhh e a alterar o som com os dedos na boca. «João! ó João!» o ferro frio da cama. o polegar e o indicador da mão direita a sentir a costura da coberta. tinha calor. «vem cá, vestir a bata. calçaste os sapatos?» olhou para os atacadores desapertados. a educadora deu-lhe a mão e foram para o refeitório. entretanto chegava ao fim a hora da sesta e a sala, ao fundo do corredor, voltava a encher-se de vozes e risos, e algum choro desencontrado. abertas as persianas, a luz revelou duas crianças ainda a dormir. ajudadas, vestiam-se, calçavam-se, arrumavam as caminhas. coreografada pelos gestos mecânicos e delicados da educadora, a ordem da sala reconstruiu-se. como todas as tardes, por volta das quatro, dirigiram-se para o refeitório, em fila, de mãos dadas, dois a dois. vi-os chegar. encheram a minha mesa e a outra ao lado. sentada de novo a seu lado, numa cadeira pequenina. «Graça, não quero mais.»
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