21 junho 2005

Harpo-Kraus

- Carríssimo Groucho, leu o senhor Drummond via senhor Abel afirmar as qualidades acidentais do amor?
- Sim, e não fiquei nada convencido!
- Mas gosta que o convençam?
- Sim, muito, mas, regra geral, ninguém o consegue. Só o Harpo, que é um fervoroso adepto do Karl Kraus.
- Do Kraus? Como assim? Sempre o achei pouco dado à acidez.
- Sim, de facto, ele não sofre de tal maleita. Mas veja como ele persegue as raparigas. Deixa-as passar primeiro, e depois segue-lhes no encalço com uma determinação retórica pouco vista e muito apreciada. Quando lhe perguntei a razão de tal gesto, ele simplesmente levou a mão ao bolso e pediu de empréstimo um aforismo do Kraus rabiscado num miserável papel que por ali andaria há anos e que teria certamente o poder de um taslismã: "No amor, o anfitrião é o que deixa o outro passar primeiro". Aliás, ele anda cheio de aforismos do Kraus nos bolsos, e dispara com o homem sempre que pode. Sabe-se lá porquê.
- Terá ele carta de condução?
- Não, mas conduz.
- Gosta pois de máquinas que representam sem concessões o lado nocturno da técnica?
- É esse o ponto, já que me ofereceu em tempos um papelote com o Kraus que o enuncia muito claramente: "A técnica: automóvel no verdadeiro sentido da palavra. Uma coisa que se movimenta não apenas sem cavalos mas também sem pessoas. O motorista ligou o motor à manivela e foi atropelado pelo carro. E assim se vai continuando."
- Essa mania do Kraus parece-me em desuso. Tudo muito datado, não?
- Sim, concordo, o Harpo é muito dado ao bolor de Viena. Mas capitaliza persuasões, sempre que quer. Pelo menos comigo. Seja como for, já lhe recomendei o meu "dicionário de Soundbytes".