06 julho 2005

Robert Anton Wilson

Encontrei ontem, por mero acaso, um livrinho que adquiri na década de 80 do século passado. Sou tomado pelo sentimento de melancolia que sempre me assalta quando regresso a velhos livros. Em 1986 - assim diz a indicação sob o nome com que marcava os meus territórios de posse e afeição - eu lia Robert Anton Wilson e o seu Livro dos Iluminati (Porto, Via Óptima, 1985).
Em boa verdade, não consegui reconhecer-me neste utopista declarado que diz ter moldado o seu estilo de pensamento em Pound, Joyce, Chandler, e Burroughs, citando frequentemente os Marx.
R.A. Wilson é o produto de uma América lisérgica que já não existe. É fácil traçar paralelos com Leary, Ginsberg, etc.
Para lá da inflexão utopista (as referências ao arquitecto R. Buckminster Fuller são uma constante), o que me interessa fazer salvaguardar é o projecto anti-paranóico de Wilson. Escreve ele, por exemplo, acerca de "profecias auto-realizadoras": "Consideremos por um momento as implicações daquilo que os psicólogos designam de profecia auto-realizadora. Muito resumidamente, significa que se estivermos certos de ser rejeitados por uma mulher ou um homem, não lhe faremos aberturas. Se acreditarmos que não conseguiremos passar no exame, não nos daremos ao trabalho de estudar. Se pensarmos que não conseguiremos arranjar o emprego, não iremos à entrevista. Em resultado, a senhora ou o cavalheiro irão para a cama com outro qualquer, o exame será passado pelos que realmente estudaram, e o emprego será oferecido a algum dos sujeitos que fez um esforço para o conseguir. § No nosso século, o exemplo mais flagrante de profecia auto-realizadora negativa foi Estaline, que pensava estar sempre rodeado de inimigos. Suspeitava do seu próprio partido, que julgava estar infestado de desviacionistas que o odiavam. Fez aumentar gradualmente o tamanho e os poderes da polícia secreta e, um a um, mandou executar como conspiradores todos os seus chefes. Antes de morrerem, todos deviam assinar confissões; Estaline fazia questão disso. Queria tudo com o preto no branco, a prova de que as suas suspeitas eram justificadas (p. 64).
Wilson permite-nos mostrar como a paranóia e a conspiração são um dos processos mais temíveis (e temidos) da modernidade: a ideia de que tudo exige um programa meta-interpretativo sem o qual não será possível aceder-se ao "sentido". Os mestres da suspeita aí estão para o confirmar: Marx, Freud, Nietzsche, Weber. Seria interessante ver como isto nos permite reequacionar objectos como aqueles que designamos por "arte", ou, de forma mais específica, objectos como aqueles que uma certa tradição de pensamento (a antropologia, justamente) designou por "bruxaria". De algum modo, o modernismo encerra estratégias clínicas de controlo das desmedidas forças da "paranóia". O humor será, talvez, um dos seus recursos mais constantes. Assim, leia-se os Marx citados em epígrafe por Wilson:
Eu dou-te boleia no meu carro.
Oh, tens carro?
Não. Antigamente tinha carro e motorista, mas não me podia dar ao luxo de ter ambos, de modo que me desfiz do carro.
E para que é que serve teres um motorista se não tens carro?
Preciso dele para me conduzir até ao emprego.
Mas como é que ele te pode conduzir ao emprego se não tens carro?
Não há problema. Eu também não tenho emprego.
(Groucho e Chico, Duck Soup, cit. Wilson, p. 5).