24 dezembro 2005

peixe

Com a faca ainda na mão,
fixa o olhar no tabuleiro untado e pensa —
«Não ser tolhido pela proximidade
que sufoca a radiação da presença.
Dar da mágoa e do entusiasmo
apenas a medida exacta.
Ser capaz de comunicar-te
esse torvelinho. Mas não.»
Só um recolhimento repetido.
A cebola aloura na frigideira
uma dor literal no peito.
O goraz na tábua já recebeu os golpes:
um adiamento surdo corre na
mancha vermelha do tomate.
Ao picar a salsa uma onda
desmancha-lhe o gesto,
vigília sem repouso,
sal e um fio de azeite.
Um buraco na boca: nada.
O odor do pranto encosta a cabeça:
morde o lábio mudo. Mói.

J. Loss [tradução MP]