03 setembro 2005

Reunião de condomínio (impromptu)

ABB – A Sra já sabe da última proposta do Groucho?
CA – Que proposta?
ABB – De um clube de leitura.
CA – Ah, a do clube de leitura na prisão?
MP – Na prisão não, no Casmurro.
CA – Mas isto já é um clube de leitura…
ABB – Refere-se aos cocassos e faceciosos ou aos droláticos e pilheriáticos?
OMS – Especioso, como sempre. Refere-se aos testes da venda, claro.
MP – Testes de venda?
OMS – Da venda, eu disse, da venda: o pano nos olhos, a cegueira poética.
GR – Refere-se à Enciclopédia de Bolso do Groucho.
ABB – Ou talvez à Antologia esquecida na mesa de cabeceira.
CA – Sim, refiro-me a isso, e a tudo o mais.
FMO – Isto é o clube de leitores fantasma.
ABB – Leitores fantasma ou clube fantasma?
FMO – Que importa isso agora?
MP – The ghost club of the ghost readers.
LQ – Nada disso. Formamos mas é o clube de leitura de Karl Kraus.
PS – E não esqueçamos as letrinas.
MP – Letrinas?
PS – Sim, as quintas-feiras serão dedicadas às letrinas. Leituras com cheiro.
GR – E quando é que lemos Malinowski? E Ruth Benedict? Quando, hein? Isso é que eu gostava de saber.
LQ – Esqueça isso, Sr Rubim. Kraus é quanto basta.
GR – E o que me diz das Lições de Abismo de Gustavo Corção? Devíamos dedicar uma semana por semana só a isso.
CA – O Sr deve estar a delirar. Eu proponho a semana Adília Lopes e, de vez em quando, O Diário de uma Intelectual enquanto Jovem Mãe (e ao invés).
ABB – Eu proponho a Antologia Esquecida na Mesa de Cabeceira, alternando com as Propostas de Candidatura ao Casmurro e com os Caderninhos de Retórica do Groucho.
MP – Um ponto de ordem: essas propostas estão todas ao serviço da mão invisível.
PS – Da mão invisível?
OMS – Sim, do clube do Espada e do Adam Smith.
FMO – Não estou a perceber.
OMS – Não me admira. O senhor nunca cá põe os pés. E a biblioteca aumenta todos os dias. Veja só aquele monte ali ao canto.
FMO – Que monte? Não vejo nada.
OMS – Não me admira. E tenho eu de aguentar isto…
ABB – Se é para ser um clube de leitura a sério, então só há uma hipótese: Claro Enigma seguido de Dom Casmurro e Tutaméia.
PS – Claro enigma seguido de dom casmurro e tutaméia?
MP – Sim, mas em itálico, Sr. Serra. Falta-lhe o itálico.
PS – Está a insultar-me agora, é? Perdeu finalmente as boas maneiras e essa calma irritante? Já não era sem tempo.
MP – Chá? Alguém quer chá?
LQ – Olha-me só o que este Sr. foi desenterrar ao baú do condomínio.
FMO – O baú do condomínio? Então não era do Pessoa?
OMS – Isso é a Arca, porra!
MP - A Arca é do Noé, não é?
LQ – Lá está o Sr. com reminiscências. Pegue no Kraus, pegue no Kraus, que a vida é curta.
CA – Clarice Lispector!
ABB – Carlos Drummond de Andrade!
CA – Anaïs Nin!
OMS – Auster! Beckett! Coetzee! Cunhal!
MP – Lá vem o abecedário…
CA – Natália Correia!
OMS – Oets Kolk Bouwsma!
MP – Quem?
OMS – Pergunte ao Wittgenstein!
MP – Também entra na lista?
PS – Mas há uma lista?
FMO – Adorno e Benjamin: isso sim, seria um começo!
OMS – Avraham Halfi!
MP – Pode soletrar?
OMS – Ahron Zeitlin!
MP – Quem?
OMS – Marshall Sahlins!
CA – Hélène Dorion!
FMO – Traumprotokolle e performance.
OMS – Isso não vem a propósito!
LQ – E o que é que vem a propósito nos dias que correm?
ABB – Manuel Bandeira!
GR – Comecemos pelas Apanhadas da lama!
MP – Da lama ou da cabeça?
ABB – Um Copo de Cólera!
GR – Onde?
MP – Faltou o itálico outra vez!
LQ – Desconta-se-lhe no ordenado!
PS – Não acho justo.
LQ – Proponho Walser, Ballard, Virilio e Cliford Geertz para descontrair.
FMO – Não, para descontrair, Bertolt Brecht.
ABB – Camilo Castelo Branco!
CA – Natalia Ginzburg!
OMS – O Espesso!
MP – O fino!
PS – Qual fino?
MP – Pensei que houvesse algum.
PS – Não se esqueçam dos livros raros e da ala dos reservados.
MP – Dos namorados?
PS – Dos reservados. A bibliofagia.
LQ – O Sr. não era mais dado à biblioclastia?
PS – Primeiro come-se, depois queima-se. Já trouxe o Typos Nacionaes do Latino Coelho.
MP – De quem?
OMS – O Sr. confrange qualquer confrade. É só inside jokes e depois tem estas brancas.
MP – Piadas internas, piadas eternas.
OMS – Jocosas gasosas, paronomásias penosas.
MP – Trocadilhos trabalhosos, trocadilhos maltrapilhos.
OMS – Leia, leia, leia. Siga o exemplo do Sr. Serra. E deixe-se disso.
PS – Trouxe também os Ensaios de Michel de Montaigne. Já para não falar no Nariz enganado, e desenganado, tabaco empulhado, e defendido, publicado em Lisboa em 1767. E qualquer dia trago o Hissope.
LQ – Isso é só narizes velhos e nacos duros de roer. Nada de merdas. Kraus, e só um aforismo de três em três dias. Matemos a verborreia. Tenho dito.
FMO – Tem dito? E o que é que isso interessa? Tenho-me contido até agora, mas não posso com tenhos ditos. Street art e nada mais. A leitura tá na rua, senhores.
OMS – Tá na rua e tá no Tom. Tom Zé & Cramps & O Têpluquê & Tiken Jah Fakoly é a minha proposta. E fora com esses poetas de caixa de hipermercado e do código de barras.
CA - Catherine McKinnon! Andrea Dworkin! Lizzie Borden!
GR – Aplaudido! Lester Young forever.
[Entra Groucho]
G – Mas que falta de decoro é esta, minha senhora e meus senhores?