12 julho 2005

Reconstrução, 4

- Muitos dos procedimentos não respeitavam as regras mínimas de contabilidade. Os inspectores verificaram, por exemplo, que faltava grande parte dos registos das despesas e dos pagamentos feitos pelas empresas subcontratadas pela Kellog, Brown & Root que pudessem confirmar as facturas apresentadas ao governo, num contrato que tinha o valor global de 3,9 biliões de dólares. Além disso, na escassa documentação apresentada relativa a subcontratações surge sempre um factor de “despesas adicionais”, que varia entre 10 e 35% do valor de cada factura e acerca do qual não foi dada uma explicação satisfatória.
- Passámos da aula de relações internacionais para a aula de contabilidade. E proclamaram isto um clube de cavalheiros: furtos, facadas nas costas, debates inflamados nos bastidores, mensagens insultuosas, discursos intermináveis. Começa a ser indecoroso até o simples acto de trocar umas breves palavras no cumprimento quotidiano. Nem a função fáctica sobrevive ao bárbaro impulso pedagógico que vos anima. Mal sabia eu que o senhor também era dado a prelecções. Sempre o achei mais discreto que os dois loquazes contumazes que não me deixam dormir descansado. Vou ter de me desviar quando o vir ao fundo do corredor, e é com pena que o digo. Imaginava que íamos ter uma outra relação. Mais íntima, mais colaborativa.
- Dizia eu, confrontada com os resultados da auditoria, a empresa criou a sua própria equipa interna de investigação. Sabe o que fez a equipa de investigação?
- Lá está o Sr. com perguntas irritantes. Se eu sou o pretexto para o Sr. falar sozinho, ao menos não enfade. Deixe-me tomar a água tónica em sossego.
- Alojou-se no hotel de cinco estrelas Kempinski, no Kuwait. A sua conta chegou a 1 milhão de dólares. Mais: mesmo depois de verificarem que havia subcontratação irregular, recomendaram que se prorrogassem os contratos. Os soldados indignaram-se: dormiam em tendas, ao custo de 1,39 dólares por noite.
- O sono dos guerreiros. É o que sabe melhor.
- Mas temos ainda o caso dos transportes. Um dos contratos da Kellog, Brown & Root dizia respeito ao transporte de mantimentos entre bases americanas. As frotas de camiões Mercedes Benz novos, ao preço de 85000 dólares cada, deslocavam-se pelas principais auto-estradas, escoltadas pelas tropas americanas, todos os dias. Ainda que não houvesse bens a transportar, os camiões faziam e cobravam as viagens. Não foram enviados filtros de ar e de óleo, nem sequer pneus sobressalentes. Camião que tivesse uma avaria era abandonado e destruído para que ninguém o pudesse usar, ficando a arder na berma da estrada. Por receio de emboscadas, os condutores tinham instruções para nunca abrandar. Um empregado da Kellog, Brown & Root testemunhou perante a comissão de inquérito do Congresso que, numa dessas viagens, um carro de uma família iraquiana, com quatro pessoas, foi abalroado para fora da estrada. O condutor teria dito que isso era normal.