14 agosto 2005

Judd Street, 3

tomas nota do número da porta. ou do nome do prédio. da cor do tijolo. da cor da porta. do número de janelas. do tipo de janelas. do número de andares. da posição relativa do prédio na fileira de casas. da disposição de cada um dos lados da rua. das entradas para as caves. da altura dos gradeamentos. preparas-te para escolher um ou dois ou três. passar gradualmente do plano geral para o grande plano. no início da rua, um ou dois edifícios públicos ou de escritórios. alternando depois, ao longo da rua, com prédios de habitação, e com dois ou três bares e cafés, uma pequena papelaria e livraria, um relvado com árvores e parque infantil, um mini-mercado de esquina, uma padaria e pastelaria. no início da rua, do lado esquerdo, o edifício castanho escuro da Câmara de Camden, depois um edifício branco-marfim de escritórios. mais adiante, à direita, outros dois edifícios da mesma cor, um em cada esquina. ou os bares, por exemplo. do lado direito, na esquina com Euston Road, o O’Neills, a frontaria decorada com painéis de madeira, o fundo azul com as letras douradas. mesas de madeira no passeio. mais adiante, do lado esquerdo, na esquina de Hastings Street, o Skinners, a frontaria decorada com painéis de madeira, o fundo verde com as letras douradas. mesas de madeira no passeio. ou os cafés, por exemplo. do lado esquerdo, o Bread & Butter, café de sanduíches e internet, com uma dúzia de terminais. mais adiante, do lado direito, uma pastelaria de que não chegas a fixar o nome, a frontaria de painéis pretos com letras douradas. ou as casas de habitação, por exemplo. uma fileira de cinco ou seis casas de primeiro e segundo andar, talvez as mais antigas da rua, portas azuis, tijolo castanho escuro, janelas de guilhotina e caixilhos brancos de madeira. já quase na parte final da rua, do lado direito, um prédio de cinco andares, revestido de um tijolo bege acastanhado, escurecido pela sujidade, caixilhos brancos de metal em janelas amplas, que se repetem, talvez umas sete ou oito em cada piso, e que parecem corresponder a quartos de dormir para arrendar. três ou quatro portas antes, o mini-mercado da esquina anterior, por exemplo. wine & food em letras amarelas sobre fundo verde no painel que identifica a loja, corredores estreitos, prateleiras cheias demais, caixas de fruta e legumes à entrada, e os expositores de jornais, também cá fora, do lado direito da porta. no andar por cima da pastelaria duas floreiras, suspensas das janelas, luminosas manchas de azul, lilás e rosa contra a fuligem acastanhada da parede. em tudo isto, sabes que a distribuição relativa das cores (castanho escuro, ocre, castanho claro, bege, branco, cinzento, preto, e o verde da relva e das árvores), das texturas (tijolo, madeira, vidro, ferro, betão) e das formas que constituem a rua replicam outros fragmentos da cidade. imaginando que o olhar e a memória não te atraiçoaram, e ainda que possa, por ventura, servir para indicar direcções e pontos de referência, percebes que esta topografia desmaterializa o espaço por onde caminhaste e nem o vínculo dos nomes aos lugares parece impedir qualquer outra orografia urbana de se acoitar debaixo desta descrição.