12 novembro 2005

Intermitências da vida, 4
















- Telefonemas e mais telefonemas, papéis e mais papéis, posts e mais posts. E, no meio disso tudo, buracos. Buracos e mais buracos.
- Desculpe, mas não entendo.
- Imagine os seus gestos repetidos.
- Os meus gestos repetidos?
- Sim, Groucho. Chegar aqui todos os dias, ou de vez em quando, e não sentir que esteve cá. Faltar-lhe a consciência de si.
- Ah, mas isso falta-me sempre!
- Não é a isso que me refiro. Não é ao ventriloquismo. Sei que eles o põem a falar. Até eu às vezes caio nessa tentação. Mas felizmente o Sr. lá vai ripostando.
- Então a que espécie de inexistência se refere?
- Bem sei que a repetição organiza o mundo. Dá-lhe plenitude. E que a condição do sujeito é semelhante à da personagem. Mas não é bem isso que eu quero dizer.
- Então o que é? Como é que eu o hei-de entender assim?
- Não é o papel que me insatisfaz. É a chamada do real que deixa de se ouvir. O ruído de fundo que faz a intensidade do mundo desaparece. Percebe?
- Não percebo, mas parece-me que o seu é mais um caso de tropologista…
- Afligem-me estes rumores brancos, estes buracos no coração…
- São intermitências da vida…
- Da vida ou da morte?
- Não sei, não sei…