Verdades caseiras
If we wanted home truths, we should have stayed at home.
Clifford Geertz, Anti anti-relativism
Com tanto caravelismo e ecuménicos abraços à solta, parece que a suspensão de juízos acerca de jogos de linguagem alheios se tornou, ironicamente, fonte de inquietação no presente. Inquietação que percorre os ditirambos do cardeal tornado agora papa e dos seus prosélitos lusos ou outros. Inquietação de humanistas, dir-me-ão. Mas parece-me também evidente que a modernidade é o legado não dos humanistas do século XVI, mas dos racionalistas do século XVII. Ou seja, a modernidade começa quando Montaigne é substituído por Descartes.
Que humanismo é este que fala da ditadura do relativismo e consagra as consabidas "verdades" nas quais fomos navegando em mares de barbárie jamais navegados? Não será por certo uma fraterna e tranquila homenagem aos canibais como aquela que encontramos nos Ensaios, mas antes uma ferramenta com a qual fazemos coisas. Importa descrevê-las, identificá-las. Continuar a descrevê-las e a identificá-las. É isso que os antropólogos (talvez os únicos verdadeiros herdeiros de Montaigne, hoje) fazem através de formas de "antropologia simétrica", como lhe chamou há uns anos Bruno Latour, que consistem em etnografar os modos em que se desdobram as racionalidades euro-americanas na prática: etnografamos, por exemplo, laboratórios de ciência (e isso não é heterodoxia, mas tão-só uma forma de "ciência normal"). Darei notícia disso aqui, motive-me q.b. a desinformação generalizada e a hipocrisia epistémica (entre outras) que por aí andam.
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