Visitação da Morgue
A notícia foi chegando com toda a sua violência. Tive de esperar que a brutalidade da morte fosse cedendo à lenta ternura de uma derradeira imagem do Groucho – aquela que é capaz de arrancar uma réstia de vida mesmo na morte. Para mim continua vivo neste mínimo resto de vida que todo o morto tem, nem que seja por uma última centésima de segundo. Por alguma razão ainda não de todo clara, num pequeno bilhete manuscrito que nos deixou, com poucas palavras, muito escassas mesmo, pediu expressamente ser eu o membro do Clube Casmurro a ir à Morgue tentar identificar o corpo. Veementes, são parcas as palavras do bilhete; e são também obscuras, pelo menos eram obscuras antes do meu demorado e silencioso passeio pela Morgue. Dizia-me ainda o Groucho, no pequeno bilhete, que me inspirasse em W.B., e me aproximasse do corpo presente, do corpo morto, com aquele espírito crítico com que há que observar uma obra de arte: com a mesma brandura que um canibal utilizaria para cozinhar um recém-nascido. É mais na morte que o Groucho está no meio de nós. Cumpri o pedido, fui à Morgue, foram minhas as palavras que me endereçou, vi a violência – eu! – e regresso agora com quase todas as imagens que retenho da solene e luminosa visitação. Para que os cavalheiros deste clube também comunguem.
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