1316
Viana do Castelo, 08 Mar (Lusa) – Acaba de nos chegar às mãos um documento, bastante revelador, respeitante ao crime do Bairro Operário ocorrido ontem em Viana do Castelo. Extraído da arca encontrada na Rodoviária, pertença do enigmático habitante do 3º andar, o texto integra um grosso envelope assinado «Gr.», que, segundo a nossa fonte, consiste unicamente em entrevistas.
A que passamos a transcrever, em rigoroso exclusivo, teve lugar em Gaza, na zona de Na-Nuseirat, no passado mês de Dezembro, com o então ministro-sombra do Hamas encarregado da pasta dos bombistas suicidas (o Sr. Omar El-Mukhtar foi entretanto indigitado como futuro Ministro dos Bombistas Suicidas). Cremos que se encontra truncada, mas o remanescente é um documento cuja importância o leitor imediatamente intuirá, razão pela qual o publicamos na íntegra.
«Inch’Allah!, digo, com um certo alívio, mal me tiram a venda, após a viagem de carro e o percurso subterrâneo no bunker em que visivelmente me encontro. Habituo os olhos à luz, ainda que eléctrica, e reconheço Omar El-Mukhtar, companheiro de outras jornadas, que avança sorridente para mim. Abraço longo e sentido. É-me oferecido um chá, sentamo-nos numas cadeiras austeras e gastas, ligo o gravador. Começamos.
- O Hamas reconheceu o mérito da sua actuação como ministro-sombra, promovendo-o a ministro do futuro governo. Há alguma curiosidade, quer na Palestina quer na comunidade internacional, sobre os efeitos que o poder venha eventualmente a ter sobre a sua actuação. Por outras palavras, o que vai mudar na sua actuação, assim que for empossado como ministro?
- Mas por que é que isso haveria de trazer alguma inflexão à minha actuação? O panorama geral mantém-se, pelo que a nossa linha de acção não pode nem deve sofrer alteração.
- Em todo o caso, os meios à sua disposição serão agora outros.
- Essa poderá ser a grande novidade, já que a falta de meios foi desde sempre a nossa grande limitação. Por isso, aliás, inflectimos tão pronunciadamente a nossa praxis no sentido da «bomba humana». Não dispondo de meios materiais, dispomos contudo de meios humanos…
- Percebo. Não se tratou tanto de uma decisão premeditada à la longue, mas de uma espécie de último recurso. Razões de força maior.
- Nem mais. É certo que, entretanto, o grande sucesso dessa estratégia levou-nos a convertê-la no nosso meio de actuação por excelência. Lançar bombistas para cima da mesa de negociações, se me faço entender…
- E como… Mas satisfaça a curiosidade do público europeu, se é que o pode fazer sem violar os segredos da vossa «inteligência». Em quantos departamentos se encontra organizado o Ministério?
- Com certeza. Somos um Ministério com paredes de vidro. Dispomos de três departamentos, coincidentes, no futuro governo, com três Secretarias de Estado. Por ordem hierárquica, a primeira é a Secretaria de Estado para a Teologia do Bombismo Suicida. Trata-se de, por meio de consulta permanente ao nosso Conselho Teológico, saber da legitimidade ou não dos ataques que nos são sugeridos pela estrutura do movimento.
- Foi-me dito que o Hamas funciona numa democracia orgânica tão perfeita que qualquer membro pode propor um alvo. É exacto?
- É exacto. Só que a proposta tem de vir acompanhada da devida documentação: mapas, descrição dos alvos, objectivos a alcançar e, naturalmente, descrição minuciosa da operação proposta. Parece complicado, e de facto exige trabalho, mas dispomos de formulários de preenchimento relativamente fácil. Ademais, criámos um gabinete de ajuda aos cidadãos menos letrados ou com dificuldades em qualquer das áreas indispensáveis a uma proposta consistente. Só depois de a proposta ser tecnicamente aceite é que sobe ao Conselho Teológico. Este, após consulta minuciosa do Livro e da sua exegese, decide. A decisão do Conselho Teológico não é passível de recurso.
- Segue-se então a Secretaria de Estado…
- … da Tecnologia Revolucionária. (Com um sorriso cúmplice:) Chamamos-lhe, entre nós, «departamento de fios e pavios…». (Riem os dois com gosto)
- Sei que é um sector famoso pelo seu conservadorismo teconológico…
- Sim, sim, só é revolucionário na sua determinação em expulsar o infiel sionista. A verdade é que, após anos de experiências, chegámos à conclusão de que as soluções low tech, para além de serem as que melhor se coadunam com as nossas limitações orçamentais, são as que melhor funcionam. Simples, curto e grosso, se me faço entender…
- Perfeitamente, perfeitamente. Passemos então à última Secretaria de Estado, que é a da…
- … Exportação de Recursos. Dado o seu crescente sucesso no mercado internacional, é a que nos permite verdadeiramente manter toda a máquina operacional a funcionar.
- Há então uma grande procura dos vossos produtos no mercado internacional?
- Não imagina! Para dizer a verdade, não conseguimos satisfazer todos os pedidos, pelo que já há uns tempos funcionamos em subcontratação, delegando contratos a outras empresas do ramo (contra uma percentagem do lucro, bem entendido). Sobretudo empresas do Egipto, da Síria, do Paquistão, do Afeganistão e da Arábia Saudita. E do Iraque, claro, neste momento o nosso maior importador.
- E que tipo de bombista é o mais requisitado no mercado?
- Mulheres, sem dúvida alguma. Passam mais facilmente despercebidas, percebe? Mas isso coloca-nos grandes problemas, pois os nossos princípios educativos não favorecem a saída das mulheres de casa. Há aqui um real conflito entre as mais-valias do mercado e o fundamento ético-jurídico da nossa sociedade, que estamos a ter dificuldade em ultrapassar. Ultimamente, começámos a usar homens disfarçados de mulheres, de modo a contornar as dificuldades de recrutamento. Mas é complicado, pois os clientes não apreciam, e baixam logo o preço, e os membros do movimento ainda apreciam menos ter de vestir-se de mulheres e falar com voz adelgaçada… Como vê, esta é uma pasta especialmente delicada e pouco invejável…
- Eu, seguramente, não lha invejo, garanto-lhe…»
OMS
Lusa/Fim
<< Home