07 fevereiro 2006

O meu Brief Encounter com Vasco Rato
















Ontem à noite, espreitando a TV no folclórico Prós e Contras, aconteceu-me algo de traumático e, receio bem, de indelével: senti-me momentaneamente solidário com Vasco Rato. Sobretudo no momento em que confrontou o Sheik Mounir, esse Bartleby em roupagens de imã aggiornato, com a pergunta decisiva: «Publicaria os cartoons num jornal seu?».
O Sheik lá admitiu que «I would prefer not to», mas a liberdade de expressão, patati patatá…
A pergunta, admito, não é inteiramente límpida por demasiado abstracta – Vasco Rato encomendaria aqueles cartoons? – mas, face às tergiversações da Realpolitik a que vimos assistindo, a abstracção ganha, neste momento crítico, um valor intelectual, ético e político, decisivo. Porque, ao contrário do que é agora, pelos vistos, a norma – aferir a liberdade de expressão pelo «bom senso» - a pergunta interpela as condições de possibilidade da liberdade, as quais não podem ser relativizadas, ou amansadas, pela pragmática (ou pela contabilidade) do diálogo intercultural, com vistas para os poços de petróleo ou para a Al Qaeda, lá ao fundo.
É bom enfatizar, contra as evidências em contrário, que a liberdade de expressão, mais o seu indispensável quadro legal, é, tem de ser, a pré-condição da hospitalidade europeia, por muito que a alguns custe conceber nestes termos a questão, ética e cosmopolítica, da hospitalidade.
Seja como for, confesso que ainda não me restabeleci de me ver, mesmo que por breves instantes, do lado de Vasco Rato. Nada que não tivesse remédio: bastou-me ir ali ao cesto buscar a Atlântico e ler um dos seus artigos (qualquer deles serve) para a minha bílis voltar a funcionar a níveis reconfortantes.
E depois, tenho de admitir que me soube muito bem vê-lo miseravelmente abandonado, neste combate, pelos EUA… A vingança, como se sabe, tarda mas não falha.