03 fevereiro 2006

O enigma do prémio do Sr. Quintais



















- Então, senhor, já sabe do prémio do Sr. Quintais?
- O que o PEN atribuiu ao último livro dele, Duelo?
- Não, não. Esse foi há uns tempos e foi só pela metade.
- Pois, o PEN só dá metades de prémio. Acho muito bem, se quer saber!
- Acha muito bem?! Ora essa! E porquê, já agora?
- Profilaxia do ufanismo, meu caro! Com apenas metade de prémio ninguém fica inchado. Além de que metade de prémio é uma lição implícita de economia doméstica: há que pensar muito bem aonde aplicar os modestos proventos, ao contrário de um prémio inteiro, que sempre permite alguma dissipação.
- Estou a ver. Não me tinha ocorrido esse programa moral subjacente….
- Pois é. Mas então, de que prémio se trata, Groucho?
- Do prémio da Fundação Luís Miguel Nava.
- E é um prémio valioso?
- Muito reconhecido no meio, senhor, indiscutivelmente.
- Não me referia exactamente a isso…
- Ah, percebo. Pois bem, parecendo que não ainda são 5000 euros.
- Caramba! Mas isso quer então dizer que só com este livro o senhor Quintais já arrecadou 5000 + não sei quanto da metade do PEN, não é?
- Exacto.
- E ainda dizem que a poesia é o inefável! Isto é que é um Duelo ao Sol
- Muito justo, senhor, muito justo. Eu bem o vi a forcejar num canto do clube, em dias em que os versos apenas gotejavam e ele tinha de se esgadanhar para que a torneira deitasse um pouco mais. Os poetas sofrem, senhor!
- Por nós, Groucho, por nós! Mas sabe que há uma coisa que não entendo nessa notícia, que aliás me deixa contentíssimo.
- Qual, senhor?
- Não percebo como o Sr. Quintais pôde ganhar esse prémio. É que, atendendo aos poetas anteriormente premiados, sempre me pareceu que havia uma pré-condição etária para concorrer.
- Uma pré-condição etária?
- Precisamente, Groucho. Repare que o Sr. Quintais está ainda na casa dos 30 – enquanto os premiados, até agora, andaram todos, na melhor das hipóteses, ali ao pé dos 60. Como se dizia na filologia, uma espécie de termo a quo. Abriram manifestamente uma excepção para a juventude extrema dele. No que fizeram muito bem, claro.
- O senhor não está a insinuar nada, pois não?
- Agora é a minha vez de não o perceber.
- Ora, com essa onda que vai pela blogosfera de denúncia de «amiguismos», a gente sabe lá…
- Ah bom, não me tinha ocorrido isso. Mas olhe, seria um caso em que os amigos teriam sido justos, pelo que… E acresce que se trata de um livro duplamente premiado, o que afasta essas sombras.
- Permita-me que corrija a sua imprecisão: é um livro premiado uma vez e meia, e não duas. Logo, o «duplamente» é aqui inadequado.
- Essa sua eterna acribia, Groucho… Mas mesmo que premiado uma vez e meia, sempre são duas instâncias de corroboração da obra.
- Ou uma e meia, senhor?
- Vá-se danar, Groucho. Traga-nos é um copo para festejarmos o prémio do Sr. Quintais. Em pleno amiguismo e compadrio!
- Um copo, senhor? Trarei um e meio, para fazer justiça inteira.
- Seja. Beberemos e meditaremos sobre a noção «aberrante» de justiça inteira, sendo neste caso o inteiro um número fraccionado...
- A justiça poética não olha a meios, senhor...