Melancolias
- Vejo-o triste, aqui à janela, Groucho.
- Antes melancólico, Sr. Mourão.
- Não se importa de me descrever a sua sintomatologia?
- Vejo que tem uma costela de físico, senhor.
- Pouco prodigioso… Não, digamos que se trata antes de empatia.
- Com a melancolia?
- Às vezes é mais com o melão…
- Percebo-o muito bem. Bom, no meu caso é assim uma ânsia sem objecto, uma neblina da alma… E dá-me para beber.
- Reconheço alguns sintomas, afora o último. Algo preocupante, parece-me.
- Nem por isso, senhor. Receio tê-lo feito incorrer em erro com a imprecisão das minhas palavras. Dá-me para beber apenas do melhor Bordeaux ou Bourgogne, percebe? Ou seja, dependências que a minha folha salarial não permite acomodar.
- Ah bom, fico mais descansado. Mas então como faz? Ou melhor, como é que se pode chamar a isso uma dependência?
- Pode sim, Sr. Mourão. É que, enquanto não ponho as mãos numa garrafa dessas não consigo beber mais nada. Nem Barca Velha, senhor. Logo, ando roidinho com vontade de beber e ao mesmo tempo sem tocar numa gota sequer. Um desespero.
- Estranha dependência, de cariz platónico, quase. O Groucho sofre pois de adição (gosto muito de usar esta palavra do português mais vernáculo) por um Ideal: o melhor Bordeaux ou Bourgogne. Quanto mais forte é a (deixe-me usá-la de novo) adição, menos o meu amigo bebe.
- Exacto: ou de como querer não é poder. É mesmo o oposto: querer o que se não pode ter.
- Melancolia, realmente. E exactamente.
- Não sei se não é antes melão, senhor…
- Deixe-me cá adivinhar: a causa remota dessa melancolia – perdão: melão – não será uma menina chamada Clara?
- Só nos conhecemos há dias, e o senhor já lê em mim como num livro aberto. Bem me disse o Sr. Silvestre que o senhor era um leitor sem par.
- Todos os leitores de verdade o são, Groucho.
- Celibatários, quer o senhor dizer?
- Antes desirmanados, Groucho.
- E isso é melancolia ou é melão?
- Depende das ocorrências, que é como quem diz, dos textos.
- O texto-Clara, no meu caso…
- Claro…
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