07 fevereiro 2006

Do bom gosto, seguido do bom senso





























- Groucho! Por onde anda você, carago?
- Estou de passagem, senhor. De passagem. Deus me livre de ficar por muito mais tempo neste clube!
- Deixe-se de merdas e traga-me mas é um chá de ruibarbo!
- Nem pense. Até um dia!
- Ó homem, mas que gaita! Espere! Olhe que tenho umas anedotas excelentes para lhe contar!
- Tenho pressa…
- [Agarrando-o por um braço] Pare um instante, bolas! Sente-se aí, fique quietinho e oiça, que foi para isso que o contratámos! Sim, que para aquilo que você realmente trabalha, neste clube… Bom, pra começar, conhece a anedota judaica em que um rabino tem de comer carne de porco para satisfazer as perversões sexuais da mulher?
- O senhor está louco? [Levanta-se abruptamente] Eu vou-me mesmo embora e é de vez!
- [Agarrando-o pelo braço e forçando-o de novo a sentar-se] E aquela sobre o bispo que dava catequese e estava sempre a dizer, citando o Evangelho: «Deixai vir a mim as criancinhas»?
- Se o senhor quer pôr em causa a integridade patrimonial deste clube, é consigo. Em todo o caso, estou mesmo de saída! Adeus. [Ergue-se e luta por se libertar do braço que o retém à força]
- Ó homem, e aquela da Irmã Lúcia, no convento em Coimbra, quando, à sobremesa, começou a descascar uma banana e, interpelando as irmãs, disse: «Queridas irmãs, sabeis vós o que esta banana me traz à memória?»
- Por quem é, senhor! Peço-lhe que respeite a fé e os costumes dos portugueses! Um pouco de decência e gosto, por favor. [Entre dentes e debatendo-se: Eu vou mas é sair daqui e a correr!]
- Ó Groucho, e aquela sobre o monge budista que trazia sempre uma garrafa de uísque escondida debaixo da sotaina?
- Ensandeceu… Só pode.
- Então, Groucho, ande lá… Deixe-me contar-lhe aquela sobre o japonês que, de visita às Caldas da Rainha, tomou uma das peças de cerâmica das Caldas por uma das divindades do xintoísmo e se pôs a orar à divindade até que, inadvertidamente, fez disparar a ferramenta da dita peça... Não quer ouvir esta? Olhe que é muito boa. Parece que a loiça das Caldas conquistou um novo mercado.
- Não oiço nem mais uma sílaba! Estou cansado de piadas etnocêntricas e xenófobas! [Debate-se de novo]
- Mas que gaita… Então e aquela do árabe brasileiro que durante o Ramadão, para enganar a fome, comia todas as noites, às escondidas, antes de ir para a cama, uma feijoada com farofa e tudo, e depois, quando chegava à cama, punha-se a arrotar, para grande surpresa e desalento erótico da mulher?
- Eu… Eu…
- Ora, Groucho, vejo que o meu amigo não aprecia de todo anedotas religiosas. Que decepção… Aliás, o seu sentido de humor sempre me pareceu um tanto similar ao de Cavaco Silva. É melhor mudarmos de assunto. [Solta-lhe o braço] A propósito de Cavaco, sabe onde foi ele visto um dia destes?
- [Esfregando o braço dorido] No Palácio de Belém, preparando a transição?
- Não senhor. No Cais do Sodré.
- Mas… Voltamos ao mesmo?
- E sabe com quem é que foi visto?
- Eu recuso-me, senhor, por um instante que seja, a pactuar com estas aleivosias! Retiro-me para o meu clube. Passe bem. [Sai velozmente]
- Mas, Groucho, que se passa? Venha cá, bolas! E não é que se foi mesmo embora?! A criadagem, decididamente, já não é o que era. Ainda o apanho! [Corre até à rua e vê Groucho a meter-se num táxi. Grita.] Groucho! Você não percebeu nada. Ele foi visto com o Carmona Rodrigues e com o Ministro das Obras Públicas! Parece que andava a informar-se sobre o plano do tal arquitecto americano para o casino! É a tal «cooperação estratégica»… [Vendo o táxi afastar-se] Volte cá, seu grandecíssimo filho de seiscentas cabras aos pulos! Então o meu chá de ruibarbo, seu mordomo da treta?!