14 fevereiro 2006

«Dicionário de Soundbytes», por Groucho
















Livros: 1. Dizer, com sóbria erudição, apoiado/a num monitor de computador e apontando para uma estante de livros: «Ceci tuera cela!». 2. Contrapor, com superioridade irónica: «Eu sempre gostava de saber como é que se pode levar a autobiografia da Maria Filomena Mónica para a praia, como leitura estival, em computador… E se a bateria descarregar, mesmo nos momentos mais picantes? Carrega-se com energia solar, não?» 3. Na universidade, dizer com sóbria erudição, apoiado/a numa pilha de fotocópias e apontando para uma estante de livros: «Ceci tuera cela!». 4. Estão caros mas cada vez se editam mais. Não é porém certo que se leiam na mesma proporção em que se compram. 5. Quando se muda de casa é que se vê o que pesam. Ao menos, investir no telemóvel não pesa tanto. 6. Como a grande maioria dos portugueses gosta de lembrar, Jesus não tinha biblioteca e ainda assim era sábio. 7. Os gregos só tinham uns rolos, mas tinham escravos para os carregar e ler, o que, temos de convir, é quase tão confortável como ver TV com um comando à distância. Dizer, desprezivamente: «Assim, também eu era um Platão!» 8. Há livros e livros. Por exemplo, os de Lobo Antunes são sempre gordos, os de José Miguel Silva são sempre magros; os de Saramago são pardacentos, os de Rita Ferro são esplendorosos; os de Jorge Sampaio são palavrosos, os de Cavaco Silva são mudos; os de Daniel Sampaio são calorosos, os de Laurinda Alves são ternurentos; os de Eduardo Prado Coelho são em prosa, os de Pedro Strecht são em verso; os de Pacheco Pereira são relevantes, os de Vasco Rato também; os de António Barreto são só prefaciados por ele, os de Mário Soares são ao contrário; os de Vergílio Ferreira são profundos e graves, os de Gastão Cruz e Joaquim Manuel Magalhães também; os de Boaventura Sousa Santos têm títulos humildes e propedêuticos (Pela mão de Alice), os de Vasco Pulido Valente também (Glória); os de Inês Pedrosa fazem falta, os de Margarida Rebelo Pinto também; os de Vasco Graça Moura vêm às vezes numa caixa, os de Eugénio de Andrade também; os da Assírio & Alvim são sempre soturnos, os da Oficina do Livro são sempre uma festa; os de Arquitectura têm muitas fotos, croquis, textos com muitas metáforas e são pesados, os de Moda também; os de Informática não são para ler mas para aplicar os esquemas, os de Didáctica também; os de Culinária trazem sempre imaculadas fotografias a cores, bigger than life, os dos jogadores de futebol (e de Mourinho) também; os de vinhos abusam tanto da metáfora e da sinestesia que a certa altura nem sabemos do que se está a falar, os de Herberto Helder também; os manuais escolares são para preencher os espaços em branco e fazer desenhos nas aulas chatas, os de Direito não; a Bíblia existe em versões para crianças com desenhos coloridos de velhos barbudos agarrados a cajados, o Alcorão existe apenas em edições para adultos com grande capacidade de abstracção; o livrinho de Mao era vermelho, o de Kadhafi é verde e o de Pinto da Costa é azul e branco. 9. Usam-se como metáforas ambiciosas no contexto das Humanidades, por exemplo em «Ler o Livro do Mundo», mas fica-se sem saber se o falhanço da metáfora se deve a iliteracia ou à ilegibilidade radical do mundo. Também se diz, de algumas pessoas, que são «um livro aberto», o que não é necessariamente grande elogio. 10. Depois das mulheres e dos cães são o melhor amigo do homem. 11. Depois dos cães, e antes dos homens, são o melhor amigo da mulher.