31 janeiro 2006

Moral da página

— Olhe, Groucho, não fica mal um pouco de rigor, e, se se trata de jornais, não fica mal um pouco de materialismo.
— Nem quero imaginar o que vai sair daí. Outra história de bandidos?
— Não, coisa séria. Repare: uma coisa é debater se é legitimo escrever sobre livros de amigos — e se se fala de escrever, sem menção explícita do meio material, e se se trata de crítica literária, isso envolve, deve envolver, jornais, revistas, prefácios, posfácios, estudos críticos, badanas, contracapas, etc. —, outra coisa é decidir se determinado espaço numa página de jornal seria ocupado por certo livro sem a intervenção dum amigo do respectivo autor.
— Não parece o mesmo, valha a verdade...
— Não é o mesmo. O problema maior da crítica nos jornais não lida com recensões e o que dizem, mas com o espaço atribuído aos livros e a decisão que o atribui a cada livro: esta decisão é anterior à recensão, ainda que posterior cronologicamente. É uma presunção, qualquer coisa que temos de supor, mesmo que nunca tenha existido enquanto tal, percebe?
— Julgo que sim.
— Aí tem, então, a causa da oscilação moral destas discussões, entre a rigidez dos catões domésticos, sempre a um passo do ressentimento, e a permissividade dos libertinos. Eu nunca faria tal, eu que sou bem formado, exclamam os primeiros. Ao que os segundos retorquem: mas como, se somos todos amigos uns dos outros?
— E é claro que não somos.
— Pois não, era o que faltava.