27 janeiro 2006

Ibsen?

— A sua curiosidade é legítima, Groucho, mas não posso contar-lhe senão o que já lhe contei. A polícia investiga ainda, e insistiram muito: que não dissesse nada a ninguém.
— Por enquanto, depreendo…
— Por enquanto, depreende bem. E agora chega a minha curiosidade: conte, vá, resuma, ou não resuma: o que se tem passado por aqui…
— Nada de muito especial, receio. Aliás, eu próprio me ausentei uns tempos.
— Esteve doente?
— Se o tédio for doença. Ninguém cá vinha, não tinha em que me ocupar. Desandei, como dizem no Porto. Foi lá que estive, de resto.
— Caramba, que tristeza! Mas nada mesmo…?
— Bem, houve certa trepidação com qualquer coisa no teatro nacional, que não acabei de perceber, outro tanto com as eleições, uma ameaça de mistério com gravações de conversas… Terá que se informar junto dos cavalheiros, se algum deles se apercebeu. Eu tenho retido sobretudo a agitação cultural do Sr. Rubim em torno dum dramaturgo norueguês, Ibsen. Faz cem anos que morreu, não sei se sabe…
— Ouvi dizer, sim. Mas é alguma coisa organizada? Outro clube de leitura? Não me diga que querem representar uma peça…
— Credo! acho que não. Têm sido palestras, breves discussões, uma coisa aqui, outra ali. A mim, o que logo me despertou, foi isto, que lhe ouvi dizer há duas ou três semanas, e que até apontei no moleskine. Ora ouça: «Será talvez do conhecimento geral que Ibsen é hoje um dos grandes ausentes dos palcos portugueses, ao mesmo tempo que é o dramaturgo mais encenado em todo o mundo (mais ainda que Shakespeare). As coisas não são diferentes relativamente à tradução, à edição e ao estudo das suas peças. Creio que, para os últimos trinta anos (aqueles em que a arte e a literatura acederam em Portugal à plena liberdade de criação, circulação e fruição), este considerável escândalo artístico e cultural é passível de ser explicado, o que não significa que se torne por isso aceitável.»
— E qual era a explicação, já agora?
— Colonização ideológica da arte do teatro, se bem entendi. Mas será melhor ser o senhor a perguntar-lhe. Nem de propósito: ele ali vem para almoço.