Escutas telefónicas, 4

[Gravação retomada.]
— ‘Tavas a falar do Manuel de Freitas há bocado, viste o que o Melícias escreveu sobre ele?
— O Melícias, qual Melícias?
— O Jorge Melícias.
— Não, não vi.
— Tens de ver! Eh pá, grande texto!
— Mas é sobre a poesia dele?
— Não, é mais sobre a crítica que ele faz no Expresso, mas no fim dá a volta à coisa de tal maneira que vai tudo dar à poesia dele, percebes?
— Mas como?
— Eh pá, a ideia é que o Freitas trata os poetas que critica como se fossem marionetas e as marionetas são só uma maneira d’ele falar de si mesmo porque é ele quem as manipula, percebes?
— Isso ‘tá bem visto, mas não será o mesmo que acontece a todos os poetas quando fazem crítica?
— Pois, talvez, só que no fim ele diz que o Freitas aparece sempre manipulado pelo Joaquim Manuel Magalhães. Faz dele uma marioneta, no fim de contas. Eu só fixei a frase em que ele fala do Magalhães. Diz isto: “a figura papal e sinistra de Joaquim Manuel Magalhães”.
— Papal e sinistra?! Eh lá, isso é forte…
— Eu até acho que é exagerado. Não era preciso tanto para falar dum epígono, mas…
— O Magalhães é um epígono?
— Não, ‘tava a falar do Freitas. Quer dizer…não sei se era preciso aquela coisa do Papa para dizer que o Manuel de Freitas anda só a pregar doutrina, percebes?
[A gravação acaba.]
<< Home