Escutas telefónicas, 2
[Gravação retomada.]
― Mas nem sequer está bem escrito!
— Não está bem escrito?!
— Não. A certa altura diz que a ministra parece “jornalisticamente morta”. Que raio de coisa é que isto quer dizer?
— A ministra, Clara…
— A ministra não é Clara. Clara sou eu.
— Não, não! Eu estava a usar um vocativo, Clara! Eu fiz a pausa. O que eu disse foi: A ministra…Clara…etc.
— Etc? Mas não disse mais nada!
— Não disse porque a Clara me interrompeu! Não cheguei a completar a frase.
— Pronto, pronto, então complete-a lá.
— Não é a ministra, Clara, é a querela contra a ministra que parece jornalisticamente morta.
— Ah, a querela… E que importância é que isso tem?
— Que importância? Então, significa que parece morta mas que está só em pousio, que vai haver outros episódios, que o sururu não acabou ali.
— Estou a ver… Era uma prolepse discreta, portanto.
— Chame-lhe o que quiser.
— Não lhe chamo mais nada porque daqui a pouco vai começar um filme do César Monteiro que eu quero ver. Vou ter de desl…
[Ruídos na gravação.]
— Do César Monteiro? O petit rhétoriqueur?
— Sabe perfeitamente de quem estou a falar.
— Claro que sei, Clara. É o Luiz Pacheco do grande ecrã.
— Para que é que se põe a dizer essas coisas? Não posso ver um filme em paz?
— Claro que pode, Clara. O único conselho que eu lhe daria é que de cada vez que vê um filme faça por ver cinema. Fora isso…
— Boa noite, com licença!
[Termina a gravação.]
<< Home