02 janeiro 2006

Dossiê «A morte do autor», 4

Ainda da conferência pronunciada na Sociedade dos Peritos em Matéria de Homicídios, em Do Assassínio como uma das Belas Artes (1827), de Thomas de Quincey:

«O caso vem contado, suponho eu, numa biografia anónima daquele grande homem. Por motivos de saúde, [Kant] impunha-se, a certa altura, percorrer a pé, todos os dias, coisa de seis milhas, ao longo de uma estrada. O caso chegou ao conhecimento de um homem que tinha particulares razões para cometer um crime de morte, pelo que, a três milhas de Koenigsberg, esperou pela vítima, que viria com a pontualidade das diligências. E seria a morte do filósofo. No entanto, por motivos “éticos”, deu-se o caso de o assassino preferir uma criança, que andava a brincar na estrada, ao velho moralista: morreu aquela e salvou-se o pensador. Esta a versão germânica da história. Na minha opinião, porém, o assassino era um requintado, que achou que pouco lucraria a causa do Bom Gosto com a morte de um velho, seco e adusto metafísico; não haveria no morto beleza alguma, porque uma autêntica múmia já ele era em vida.»

(Tradução de João da Fonseca Amaral.)