Dossiê «A morte do autor», 4
Ainda da conferência pronunciada na Sociedade dos Peritos em Matéria de Homicídios, em Do Assassínio como uma das Belas Artes (1827), de Thomas de Quincey:
«O caso vem contado, suponho eu, numa biografia anónima daquele grande homem. Por motivos de saúde, [Kant] impunha-se, a certa altura, percorrer a pé, todos os dias, coisa de seis milhas, ao longo de uma estrada. O caso chegou ao conhecimento de um homem que tinha particulares razões para cometer um crime de morte, pelo que, a três milhas de Koenigsberg, esperou pela vítima, que viria com a pontualidade das diligências. E seria a morte do filósofo. No entanto, por motivos “éticos”, deu-se o caso de o assassino preferir uma criança, que andava a brincar na estrada, ao velho moralista: morreu aquela e salvou-se o pensador. Esta a versão germânica da história. Na minha opinião, porém, o assassino era um requintado, que achou que pouco lucraria a causa do Bom Gosto com a morte de um velho, seco e adusto metafísico; não haveria no morto beleza alguma, porque uma autêntica múmia já ele era em vida.»
«O caso vem contado, suponho eu, numa biografia anónima daquele grande homem. Por motivos de saúde, [Kant] impunha-se, a certa altura, percorrer a pé, todos os dias, coisa de seis milhas, ao longo de uma estrada. O caso chegou ao conhecimento de um homem que tinha particulares razões para cometer um crime de morte, pelo que, a três milhas de Koenigsberg, esperou pela vítima, que viria com a pontualidade das diligências. E seria a morte do filósofo. No entanto, por motivos “éticos”, deu-se o caso de o assassino preferir uma criança, que andava a brincar na estrada, ao velho moralista: morreu aquela e salvou-se o pensador. Esta a versão germânica da história. Na minha opinião, porém, o assassino era um requintado, que achou que pouco lucraria a causa do Bom Gosto com a morte de um velho, seco e adusto metafísico; não haveria no morto beleza alguma, porque uma autêntica múmia já ele era em vida.»
(Tradução de João da Fonseca Amaral.)
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