30 janeiro 2006

Da elegância























Cito, sem mais, da última ocorrência da crónica «Observador», de José António Saraiva, no Expresso:

«10 anos depois, Cavaco desforrou-se de Soares e das tropelias que este lhe fez quando era Presidente. Uma desforra que teve algo de patético na imagem de Soares e Sócrates na noite eleitoral: um velhote ao lado de um coxo de muletas».

Saltemos esta concepção da política como uma eterna desforra pueril de tropelias d’antanho, concepção que serve igualmente para legitimar coisas como a guerra na Palestina, no País Basco ou, em tempos felizmente quase idos, na Irlanda do Norte. Esqueçamos também tropelias de Cavaco como o «saneamento» de Soares aquando da assinatura dos acordos de Bicesse entre os beligerantes angolanos (à luz do que se passou depois, Soares terá seguramente agradecido).
Detenhamo-nos antes nesta imagem de fino recorte literário (ou não estivéssemos ante um romancista candidato ao Nobel, ainda que na modalidade de auto-proposto) e, não menos decisivo, de fino gosto: «um velhote ao lado de um coxo de muletas».
E sigamos então este cherne. Por exemplo, a propósito de Cavaco no discurso da noite da vitória: «um manequim da Rua dos Fanqueiros, chupadinho e soturno» (a Clara Antunes que me perdoe a apropriação). Ou, recorrendo às memórias cinéfilas: «um actor de série B papagueando mecanicamente um papel auto-infligido».
Que tal? Parece fácil? Olhem que não… A coisa, como Saraiva explicaria, exige uma cópia de recursos estilísticos não ao alcance de todos. Mas sobretudo exige elegância, ou não fosse a pessoa em causa o Sr. Ex-director.
A mesma elegância que nos poderia levar a apodar um escritor de «romancista coxo e assim a modos que velhote». E não, não estou a pensar em Saramago… Nem sequer nas tropelias de um observador com o rabo (cavaquista) de fora. Deus me livre!