The Horror!
Um amigo, poeta neo-gótico e ensaísta com coutada reservada em fantasmas, escreve-me no verso de um postal do filme Alice:
“Que tal a perspectiva de um Cavaco (não burlesco) para a Presidência?
A política, bem se pode dizer, é terror (como a poesia?)»
Postal bem apropriado, diga-se, esse de um filme sobre a perda de uma filha, para uma situação em que o filho perdido anseia por um Grande Pai de régua na mão, disposto a infligir-lhe os necessários castigos corporais. Porque é preciso estar muito mal em matéria de auto-estima, e completamente desprovido de Super Ego, para ansiar por uma figura tão detestável como Cavaco.
Uma figura tão detestável e factícia – sim: factícia - como Cavaco: o superambicioso político que afinal o não é (como ele mesmo confessava, numa daquelas entrevistas em que o Expresso há uns 15 anos fabricou o mito, quando ouviu Sá Carneiro pela primeira vez, disse para si mesmo: «Este é que me leva lá…»); o homem que está sempre a confundir política e finanças, como se a taxa de juro precedesse ontológica e filosoficamente os direitos, liberdades e garantias constitucionais – e como se isso o libertasse do fardo da ideologia, tanto mais que um Professor, em virtude da ciência que pratica (ainda que se trate de uma ciência tão humana quanto a económica), está para além disso; o democrata que só aceita debater quando de todo o não pode evitar (vide o seu comportamento em eleições legislativas no passado, ou a forma como tratou o parlamento e todo o equilíbrio de poderes – lembremos a denúncia das famosas «forças de bloqueio»); o «social-democrata», como agora se diz, historicamente mais responsável pelo facto de Portugal ser o país com maiores desigualdades de rendimento e sociais da Europa (quando se lhe perguntava, ao longo do consulado de 10 anos de cornucópia europeia, pelas políticas de combate à desigualdade, a resposta era invariável, e invariavelmente cega: aumentar a produtividade, aumentar a riqueza. Viu-se o resultado, e viu-se o que é a social-democracia à Cavaco: um país em que uma taxa escandalosa de BMW’s e jipes convive com níveis de desigualdade e pobreza que fazem de nós a América Latina da Europa); o homem que não é de direita mas em quem a direita tanto confia (porque será?) que se ausenta por completo da eleição; o homem cuja essência é o mando e por isso está sempre disponível para confundir autoridade com autoritarismo – e, não, não é o preconceito que me leva a dizer isto, mas tão-só a sofrida observação do consulado -, o que, ainda assim, não o impediu de proporcionar um dos momentos mais felizes para a alma, mesmo que bissexta, de qualquer anarca: a memorável cena de pancadaria entre polícias no Terreiro do Paço (obrigado, Professor!); o homem sem uma ideia em matéria de política internacional e do lugar de Portugal no mundo, e que, quando tentou ter ideias na matéria, acabou por nos enfeudar ao regime corrupto e assassino de Luanda - ele e o seu delfim Durão Barroso.
O amigo que me enviou o postal fala em terror. Por mim, falaria antes em repulsa. Por razões ideológicas, éticas e estéticas.
E porque me repugnam os messias, sobretudo os que já vieram há muito e nos oferecem apenas, como alguém, de forma definitiva, dizia, uma repetição farsesca da história.
Ou, para terminar melancolicamente com uma muito apropriada citação de Salazar: «Os homens mudam pouco, e então os portugueses quase nada».
<< Home