01 novembro 2005

Diálogo verídico e fidedigno entre os quase-ex e ainda-putativo directores do Expresso









(Quase-ex) O fundamental é o saco de plástico, Henrique, o saco de plástico! Sem ele, nada feito. Cabe lá muita coisa, como sabes – e cabe-te a ti inventar os suplementos e encartes que ainda lá caibam. Como se dizia no Manifesto Comunista, há ainda um mundo, ou vários, a ganhar para o saco.
(Ainda-putativo) Mas não é fácil, Zé Tó, não é fácil. Tenho a sensação de que tu esgotaste a matéria, com tudo o que inventaste ao longo de mais de 20 anos. Mas enfim, ocorreu-me uma ideia há dias que não sei se dará… Que achas disto? Um suplemento «Expresso Memória» com os melhores momentos do jornal: uma entrevista da Avillez ao Cunhal em cada semana, as tuas melhores análises políticas, uns excertos das tuas melhores entrevistas ao jornal, uma ou outra entrevista ao Dr. Balsemão, as melhores crónicas do Espada, as melhores fotos de gajas em discotecas (talvez um pouco de lesbian chic aqui e ali, que o pessoal pela-se por isso), os melhores ensaios literário-gastronómicos do Quitério, as melhores fotos do Ochôa e os melhores cartoons do António, etc. Que achas?
(Quase-ex) É capaz de funcionar, sim. Tanto mais que é tempo de reciclarmos e rentabilizarmos o nosso arquivo. Mas já sabes: textos curtinhos, fotos grandes e sempre a cores. Sem isso, nada feito… O fundamental é perceber que isto é um jornal para toda a família, pelo que esse suplemento, a ser criado, tem de seguir a linha «sortida» da Única: coisas leves e pesadas (de preferência pouco pesadas), sem preconceitos em matéria de juízo de gosto. Se for preciso, citas o Bourdieu para deixar claro, contra os intelectuais terroristas, que o juízo de gosto nunca é desinteressado: depende sempre do número de assoalhadas em que se vive, da cilindrada do automóvel, do tipo de prendas que se oferece à amante, etc. Logo, nada de preconceitos em misturar a Ágata com a Clara Ferreira Alves.
(Ainda-putativo) Tens de me recomendar uma «Introdução» ao pensamento desse gajo. Mas coisa curta, que não tenho tempo pra mais, com este Titanic às costas (se calhar, a Wikipédia resolve-me o problema, não?). Mas voltando ao saco de plástico, sabes o que me preocupa, Zé Tó? A questão ecológica. Sabes que em França acabaram agora mesmo com os sacos de plástico nos supermercados? E a Bélgica e outros países vão a caminho? Olha se a moda pega por cá?! Vendemos o jornal em saco reciclável? Ou recuperamos o saco de pano em que antigamente se comprava o pão? Mas já viste a escalada nos custos?
(Quase-ex) Já me constou esse novo morbo gálico, de facto. De há uns tempos pra cá, os franceses parece que se empenham unicamente em chatear o resto do mundo… Admitindo que isso cá chegue, e chegará sempre com com o proverbial e providencial atraso, há que resistir até ao limite em defesa do saco de plástico. Talvez publicando artigos a denunciar a mistificação ecologista por trás do ataque aos sacos de plástico (uma foto de um líder da Quercus a sair do Continente cheio de sacos de compras dava um jeitaço); ou fazendo o elogio do plástico como «material que mudou o mundo», etc. Há uma vasta gama de possibilidades. Se e quando já não for possível mantê-lo, podemos sempre lançar um «saco-Expresso», em material reciclável, talvez ilustrado por um pintor de renome. O Pomar, por exemplo. Ou a Graça Morais. Ou com uma foto e assinatura do Cristiano Ronaldo. O público compraria o saco, nós sempre ganharíamos aí mais um tanto, e depois o mesmo público habituar-se-ia a ir aos sábados ao quiosque de saco na mão, como antigamente se ia ao pão. Ganhar-se-ia mesmo em intimidade e domesticidade, na relação do cliente com o jornal, tanto mais que, como se faz em França, as pessoas podiam habituar-se a usar o saco para o jornal e para o pão.
(Ainda-putativo) Brilhante, Zé Tó, brilhante. Porque do que não há dúvidas é de que precisamos de um saco, se queremos continuar a nossa política de expansão. Mudando de assunto, não sei se não devíamos reformular alguns dos suplementos actuais, à imagem da Única, que essa é intocável. E a tua grande (re)criação.
(Quase-ex) Estás a pensar exactamente em quê?
(Ainda-putativo) Bom, no Actual, para começar. A secção de Livros está quase boa: textos curtinhos, quase tudo sobre romances ou livros de crónicas e política, tudo no fundo do suplemento, para as pessoas se poderem entreter antes com coisas mais estimulantes, como os filmes e a música. Mas na secção das Artes os textos ainda são demasiado grandes e muitas vezes sobre obras a que eles chamam arte, mas que ninguém entende. Aquilo tem de passar para metade do tamanho, com franqueza, e temos de os proibir de usar palavras que não vêm no dicionário (então aquela da «fisicalidade», sempre gostava de saber o que quer dizer!). O cinema está aceitável, embora ainda se trate de filmes europeus e asiáticos em demasia. A secção da Música talvez pudesse ser reforçada, mas a chatice é que a malta que escreve lá sobre a pop tem a mania que é intelectual, e vai de escrever sobre a Madonna ou a música de dança como se estivessem a fazer ensaios de sociologia ou retórica. Não sei se não será de importar aí uma miudagem da que escreve nos blogues. Há gajos muito bons e a escrever sem pretensões.
(Quase-ex) Não podia concordar mais. Como sabes, fiz os possíveis por reformar a parte cultural do jornal, conseguiu-se alguma coisa mas estamos ainda longe do ideal.
(Ainda-putativo) É difícil, porra, é mesmo difícil reformar uma instituição com décadas de vida e inércias fossilizadas. À nossa escala, é como a reforma da Função Pública. Vais ter de me ajudar, que a tua experiência é um capital precioso.
(Quase-ex) Sempre às ordens, meu caro. Como sabes, continuo a considerar-me jornalista e faço questão de manter a minha coluna de análise política. Estou convencido de que o clima de racionalidade no debate político, já de si tão rarefeito entre nós, degradar-se-ia de forma irreversível se eu deixasse de a escrever.
(Ainda-putativo) Eu nem consigo conceber a política à portuguesa sem a tua coluna, Zé Tó. Mas já agora, e sem querer abusar da tua agenda, diz-me cá: já deste uma vista de olhos ao meu manuscrito?
(Quase-ex) O romance? Vou na página 130. Tenho escrito comentários, tirado notas e sugerido alterações. Creio que daqui a 15 dias já te posso passar o material todo.
(Ainda-putativo) Eh pá, nem sei como te agradecer. Depois, vais ter de me ajudar também a pensar as formas de promoção do livro: entrevistas, recensões, etc. Aqui no Expresso e noutros meios de comunicação.
(Quase-ex) Sempre às ordens, meu caro. Também nisso, tenho já um importante capital de experiência acumulado.
(Ainda-putativo) Eh pá, Zé Tó, amigos como tu há mesmo muito poucos.