13 outubro 2005

Resposta tardia

Caríssimo Sr. Rubim

Agora que já nos entendemos em privado, e conforme aliás concordámos, parece inevitável deixar aqui uma nota pública, embora tardia, em resposta ao postal que me endereçou.

Vou ser breve. Como todos sabem, tenho estado fora do convívio regular com o nosso clube, por motivos pessoais. Foi por isso que me limitei a contactá-lo directamente ― não havia tempo para mais e só esse contacto era urgente. Não imaginei que o meu papelucho causasse prejuízo nos seus relacionamentos e quezílias no clube. Talvez seja eu que sou muito ingénua, ou distraída, não sei, mas nunca os aborrecimentos que contou passaram pelas minhas previsões. O que escrevi era o que queria dizer e, se o provoquei, foi porque me lembrei de si imaginando que aquele tema seria do seu interesse. E, de facto, era, pois a verdade é que me desafiou a desenvolver a curtíssima explicação que dei sobre o que é ou não é um intelectual. Confesso-lhe que já fui depois novamente desafiada no mesmo sentido, mas por ninguém com a mesma simpatia.

Passados e resolvidos os efeitos indesejados, aproveito esta ocasião para me explicar então um pouco melhor. E para lançar também eu um desafio, como verá.

Quando eu disse que me irritava com o facto do Dr. Pacheco Pereira ser tomado por um intelectual, quando nunca o pode ser por estar constantemente na praça pública, era evidente que estava apenas a tentar ser rigorosa. Uma pessoa nessas condições ― e há muitas para além do Dr. Pacheco Pereira, tanto dentro como fora de Portugal ― não é um intelectual pela simples razão de que não é a partir de um pensamento ou de uma obra que emite opinião, mas, quando muito, a partir da multiplicação de opiniões que simula ter um pensamento ou uma obra. Se nos lembrarmos que, no século XX, o modelo do intelectual foi Sartre, esta diferença fica claríssima, acho eu. Sartre foi, em primeiro lugar, o pensador existencialista (e talvez o escritor) e só depois o homem com as intervenções políticas que toda a gente conhece, algumas delas bem lamentáveis. A autoridade que se lhe conferiu, nem que fosse para o atacar, no capítulo das opiniões políticas (porque eram todas dessa natureza, no fundo), dependeu da forma como a sua obra de pensador se impôs, e não o contrário. Ora, é por demais evidente que não foi na nem para a praça pública que Sartre escreveu O Ser e o Nada (que a praça pública nunca leu nem faz ideia do que seja).

Se as pessoas tivessem uma ideia do que foi, no século XIX, o nascimento do publicista, esta explicação seria, como deveria ser, completamente supérflua. Para interpretar as frases do Dr. Pacheco Pereira que eu citei nem é preciso tanto, porque cabem inteiras em duas linhas de Blanchot: "Intelectual, eis aí uma palavra de má reputação, fácil de caricaturar e sempre pronta a servir de injúria." Ainda assim, lanço o meu desafio: que dizem os cavalheiros deste clube a pronunciar-se, cada um por si, sobre o que é hoje um intelectual? Fico à espera da resposta.

Com as melhores saudações casmurras da

Clara Antunes