Reposições ne varietur - 3
Diga-me cá, Groucho, costuma ler o Expresso?
- Francamente, Sr. Silvestre, tenho alguma dificuldade em lidar com essa expressão.
- Que expressão?
- «Ler o Expresso».
- E porquê?
- Bom, porque me parece que o Expresso compra-se, passeia-se, exibe-se, amontoa-se, mas ler, propriamente... Além do mais, quando me decido a lê-lo, aquilo não me leva mais de 15 minutos.
- Percebo. Mas olhe, sugiro-lhe que leia a edição de hoje, 10 de Junho.
- Revelações políticas?
- Não propriamente. Antes por causa de uma frase do director: «O Expresso não podia ser o que é sem o saco de plástico».
- Ele diz isso? Na coluna dele ou no editorial?
- Em entrevista, Groucho. É a entrevista do weekend, da semana, do mês e quiçá do ano. No Expresso, claro, numa boa dúzia de páginas. Segundo Saraiva, que é provavelmente o director de jornal mais entrevistado pelo seu próprio jornal em todo o mundo, a partir do momento em que passou a Espesso, o jornal passou a necessitar do dito saco (uma das três revoluções que o director terá protagonizado em 20 anos de casa: uma das outras, e de que ele muito se orgulha, foi a tabloidização do jornal). É caso para dizer que, mais uma vez, o meio é a mensagem. Na mesma entrevista, ficamos a saber que Saraiva aspira ao Nobel da literatura, tanto mais que começou a publicar romances mais cedo do que Saramago (não é bem verdade, mas faz sentido). Saraiva anuncia aliás o segundo romance, que em seu entender tem todas as condições para ser um êxito internacional (e, de facto, se uma coisa como Equador, que ostenta um solecismo na primeira frase, o é...). Ficamos também a saber que a famosa escrita do autor nas suas análises políticas - ponto parágrafo - é modernista, porque enxuta.
- Ernest Hemingway Saraiva, é? Será que devo chorar ou rir? Deseja mais um chá, Sr.?
- Sim, obrigado. Tudo isto seria apenas risível, de facto, não fosse Saraiva o responsável pela transformação do Expresso em Espesso, isto é, num paquiderme institucional cujo correlato político é obviamente neoconservador (lembra-se daquela memorável digressão dele sobre as diferenças entre homens e mulheres?). No que mais directamente nos toca, meu caro Groucho, convém não esquecer que foi Saraiva quem aniquilou a secção de Livros do Expresso, hoje por hoje a pior da imprensa de referência portuguesa - devir tão-mais chocante quanto, à data da subida de Saraiva ao poder, como se lembra, essa secção de Livros traçava a «linha geral» da política literária em Portugal. Aliás, as três ou quatro páginas sobre livros apenas se mantêm, entre a música e a crónica de João Carlos Espada (e porquê tal coisa no Actual, santos deuses?), por se considerar, suponho, que apesar de tudo um semanário de referência deve tratar de um ou dois livritos. É, diga-se, toda uma política cultural: a do livro como flor na lapela. Bastará a comparação com os suplementos literários dos grandes órgãos da imprensa europeia (com os quais o Expresso supostamente se equipara) para se ter noção da dimensão do vexame. E se quisermos ir ao Brasil, supostamente no 3º mundo (mas qual será então o nosso mundo?), comparem-se as raquíticas páginas que o Expresso dedica a livros com os suplementos literários da Folha de S. Paulo, do Estado de S. Paulo ou do Globo. Que me diz a isto, Groucho?
- Que só podemos, de facto, dar razão ao arquitecto Saraiva: o que seria do seu Expresso, e dos seus leitores, sem o saco de plástico?
OMS, 12 de Junho de 2005
<< Home