13 outubro 2005

A perda


… e compassivo, muito compassivo mesmo:
— Vai ver que se habitua, não é uma perda irremediável, não é sequer uma perda, bem vistas as coisas…
— Claro que é uma perda, Groucho, e grande. Não adianta dissimular, tem que se encarar: uma perda grande.
— Mas perda de quê? o que se perdeu ao certo? A meu ver nada…
— Porque você é anarquista e abomina chefes e directores…
— Ora, não vejo a relação: continua a haver um director…
— Mas agora é outro, Groucho, é outro. Perdemos a excepção de ouro, não percebe? Passámos anos a dizer coisas como «nada é fixo neste mundo, excepto, claro, o director do Expresso», «nada se mantém para sempre, excepto, claro, o director do Expresso», «nada dura indefinidamente, excepto, claro, o director do Expresso»… percebe o que lhe estou a dizer? É como se, à nossa escala, tivéssemos perdido as pirâmides do Egipto ou a velha Jerusalém, sei lá, tudo isso que vem de muito antes e permanece muito para lá de ficarmos reduzidos a pó… era a nossa excepção, o nosso corrimão, a nossa garantia de que alguma coisa dura, permanece, fica.
— Percebo, acho. Mas a sua perspectiva é hoje melancólica. Pode ser que mude. Pode ser que mude quando notar que o Expresso, o próprio jornal, esse permanece e até melhora com o novo director….

(Riem-se ambos com gosto.)