Hermenêutica eleitoral (prolegómenos)
― E então, Groucho, reparou nos comentários?
― Se reparei? Com aquela abundância, como queria que eu não reparasse? As pessoas aparentemente ficam à espera dos resultados, mas as eleições já não se decidem nos resultados, e do que as pessoas realmente estão à espera é dos comentários. As eleições, hoje, são os comentários!
― Ou os comentários são as eleições…
― Das duas fórmulas, prefiro a minha, talvez com uma ligeira variante fenomenológica: as eleições são-para-os-comentários.
― Aceito, embora a enunciação mais correcta talvez fosse antes assim: o ser-das-eleições é um estar-aí-para-os-comentários.
― Mas note que subsiste sempre a pequena incerteza de saber se podemos pensar o voto em termos de um estar-aí ou, ao invés, teremos de concebê-lo na modalidade de um a-fazer-se que, por fim, nunca é um já-feito mas apenas a seta apontando para o perfazer-se-em-compreensão que anuncia o advento e o evento do comentário propriamente dito.
― Bem visto. O meu ponto, porém, é outro. Ou melhor: é o devir-outro do comentário, o ponto abissal ou deriva desestruturante que põe a compreensão-enquanto-perfazendo-se no limiar não-conceptual de um puro desfazer-se-de-toda-a-compreensão-enquanto-tal.
― Estou a ver, estou a ver… O seu problema, traduzido em linguagem pouco rigorosa (para dizer o mínimo!), circunscreve-se à desconcertante emergência de comentários, digamos, profundamente estúpidos.
― No limite, sim. Para já, investigo apenas (mas muito haveria a escavar nos subterrâneos deste “apenas”) a ocorrência, sem dúvida anómala, de um único e específico argumento cuja repetição ameaça derrotar na raiz qualquer projecto de hermenêutica eleitoral orientado para a finalidade de perceber-alguma-coisa-disto (um conceito que precisa de maior elaboração, não contesto).
― E que argumento é esse?
― Deixe-me só acender um cigarro e já lhe digo.
― Se reparei? Com aquela abundância, como queria que eu não reparasse? As pessoas aparentemente ficam à espera dos resultados, mas as eleições já não se decidem nos resultados, e do que as pessoas realmente estão à espera é dos comentários. As eleições, hoje, são os comentários!
― Ou os comentários são as eleições…
― Das duas fórmulas, prefiro a minha, talvez com uma ligeira variante fenomenológica: as eleições são-para-os-comentários.
― Aceito, embora a enunciação mais correcta talvez fosse antes assim: o ser-das-eleições é um estar-aí-para-os-comentários.
― Mas note que subsiste sempre a pequena incerteza de saber se podemos pensar o voto em termos de um estar-aí ou, ao invés, teremos de concebê-lo na modalidade de um a-fazer-se que, por fim, nunca é um já-feito mas apenas a seta apontando para o perfazer-se-em-compreensão que anuncia o advento e o evento do comentário propriamente dito.
― Bem visto. O meu ponto, porém, é outro. Ou melhor: é o devir-outro do comentário, o ponto abissal ou deriva desestruturante que põe a compreensão-enquanto-perfazendo-se no limiar não-conceptual de um puro desfazer-se-de-toda-a-compreensão-enquanto-tal.
― Estou a ver, estou a ver… O seu problema, traduzido em linguagem pouco rigorosa (para dizer o mínimo!), circunscreve-se à desconcertante emergência de comentários, digamos, profundamente estúpidos.
― No limite, sim. Para já, investigo apenas (mas muito haveria a escavar nos subterrâneos deste “apenas”) a ocorrência, sem dúvida anómala, de um único e específico argumento cuja repetição ameaça derrotar na raiz qualquer projecto de hermenêutica eleitoral orientado para a finalidade de perceber-alguma-coisa-disto (um conceito que precisa de maior elaboração, não contesto).
― E que argumento é esse?
― Deixe-me só acender um cigarro e já lhe digo.
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