U2, Presidente? U2, Helena? U2, JPC?
- Ena, Groucho, que chavascal aqui vai!
- Chavascal nenhum, senhor. Chama-se «Discothèque» e é um dos grandes temas dos U2.
- Mas o meu amigo aprecia esses «milionários quarentões», para usar uma expressão da incisiva Helena Matos?
- Desde o Boy, fique sabendo. Com paragem mais demorada em The Joshua Tree e Achtung Baby. Tenho de confessar que o recente Vertigo não me fez grande vertigem.
- Sim senhor! Então ficou feliz com a condecoração da Ordem da Liberdade que o presidente Sampaio lhes impôs…
- Fiquei, sim. Ou o senhor já esqueceu o contributo notável da Irlanda na luta pela libertação de Timor-Leste, apesar de todos os cultores da Real Politik deste mundo, com o Pacheco Pereira à cabeça? Lembra-se dele a afirmar, muito superior, em debates televisivos: «Qualquer dia as várias facções timorenses vão entender-se com os indonésios e depois eu quero ver o que diz a imprensa, tão alinhada com os independentistas e tão esquecida da sua imparcialidade estatutária…»?
- Atão não lembro? E olhe como ele se livrou da sua palinódia... Não surpreende, aliás, pois essa é a essência da arte do Opinion Maker: sempre virado para o futuro, sempre apto a esquecer o passado, por conveniência pessoal. Mas olhe que, para voltar à vaca quente dos U2, a condecoração presidencial foi tudo menos consensual, o que até é estranho nos actos do presidente. O Luís Delgado, por exemplo, embirrou com a materialidade da medalha. Segundo ele, que dá pra ver que é fã dos U2 e do rock (aqueles cargos todos, aquela presença assídua na TV, só mesmo com muito sexo, drogas e rock’n’roll), em crónica no DN, as medalhas são pífias e «saem» mal na TV. Era uma ocasião de ouro (se é que as medalhas são em ouro…) para aparecermos na CNN (ou na MTV) e, com medalhas tão discretas, lá se vai a publicidade gratuita.
- Pergunto-me qual seria o tamanho adequado a uma medalha imposta a uma superbanda rock…
- Falando à grega, o tamanho de um estádio, pelo menos. Quanto à Helena Matos, lamento decepcioná-lo, pois sei do seu amor platónico por ela, mas não foi nada meiga.
- Tenho de tentar mostrar à Lena a evidência do génio da banda irlandesa. Ainda hei-de conseguir convertê-la, vai ver.
- Pois, mas vai ter de suar as estopinhas. Porque ela, na última crónica no Público, desata a enumerar provas da «adolescência tardia» do Presidente e lá vem a condecoração como a cereja no cimo do bolo. Suspeito que ela terá tido uma adolescência esquerdalha, como diz a malta da direita e a Rititi, pois até contrapõe aos U2 o José Mário Branco, pelos vistos um dos raros não-medalhados do país, na área do antifascismo. E depois chega ao sacrilégio de dizer, em tom desprezivo, que se o Elvis fosse vivo (manifestamente, acredita no boato de que o Rei morreu…), e passo a citar, «acabaríamos a vê-lo entrar em Belém de fato-macaco, coberto de lantejoulas e quiçá a movimentar as ancas de modo a explicar por que lhe chamaram "Elvis the pelvis"».
- Também não gosta do Elvis, a minha Lenita? Que de decepções!
- E olhe que também não suporta o Marilyn Manson, como se percebeu há tempos.
- Até aposto que ela gosta mesmo é dos Beatles! Ou dos discos a solo do Paul McCartney! E dos do Ringo!
- Não sei, Groucho. Pelo agon anti-rock e anti-pop culture de que ela vem dando mostras, eu creio que as suas preferências musicais vão antes para o Pierrot Lunaire, a Histoire du soldat, os quartetos de Bartok e Janacek, a Cathy Berberian, etc. Sem esquecer, o que seria imperdoável, o Emanuel Nunes.
- Pois, se calhar é isso: rejeição do trash da cultura popular, provinda de quem foi educada rigoristicamente na dieta modernista: Joyce, Pessoa, Mallarmé, Beckett, Schönberg e restantes vienenses, o pessoal de Darmstadt e depois – mas nada de Philip Glass, santos deuses, que esse até faz bandas sonoras pra filmes! A Helena, afinal, é mas é uma criatura muito exigente. Ainda sobe mais um bocadinho na minha cotação, apesar de não gostar do Elvis nem dos U2.
- Eu nem sei se é isso, ou só isso. O desprezo pela rock culture está lá, mas há mais. Ora oiça mais esta: «as iniciativas dos milionários quarentões como os U2, até agora, não melhoraram em nada a vida dos africanos. Antes pelo contrário: os déspotas africanos são os principais interessados no perdão da dívida e na transformação dos seus cidadãos em pedintes crónicos.»
- Não consigo deixar de lhe dar alguma razão, senhor.
- Pois a mim parece-me que se trata de substituir uma caricatura – a da África sempre vitimada pelos tubarões neo-coloniais da finança multinacional – por outra: a África dos ditadores usando e abusando das boas intenções dos pobres de espírito das ONG’s ocidentais (a começar pela maior delas, a ONU). A sua Helena, aliás, é muito boa na arte da caricatura… Mas não está sozinha, sabe? Não sei se viu, mas também o João Pereira Coutinho, na sua coluna do Expresso, baixou o pau sobre o Bono, se o posso dizer assim.
- Perdoe, senhor, mas a senhora Clara chama-me. Volto já.
<< Home