12 agosto 2005

Resposta a JPP, poucos dias depois e por partes

«Desconheço qualquer observação antropológica do mesmo teor, sobre os seus, provinda de qualquer outra tradição cultural (muçulmana, budista, animista, etc.), e que não possa ser suspeita de "ocidentalizada". Não me refiro obviamente apenas a frases avulsas de tolerância e compreensão face aos "bárbaros" (hoje diz-se os "cruzados"), refiro-me a uma visão desapiedada, exterior, com os olhos do Outro, sobre "nós", relativista culturalmente como os Padrões de Cultura, que tenha tido a influência sobre essas sociedades e culturas que olhares como o de Benedict, Mead, Levi-Strauss e outros tiveram sobre a nossa.»
José Pacheco Pereira, no ABRUPTO (7 de Agosto às 11h23m.)
Parte 1:
José Pacheco Pereira (JPP) considera o livro Padrões de Cultura, de Ruth Benedict, um típico exemplo de "tradição da nossa cultura [que] foi sempre colocar-nos dentro dos olhos dos outros, quanto mais Outro os outros forem." Infelizmente para JPP, o que diz Ruth Benedict no seu livro não é exactamente o que JPP quer que Ruth Benedict diga. O juízo de Benedict sobre o Ocidente não é relativista culturalmente, é um juízo crítico, que, se escrito com os olhos do Outro, o é com os mesmos olhos e a mesma alteridade crítica que permitem a JPP desconfiar não apenas de Benedict, mas ainda de Margaret Mead, Lévi-Strauss e outros. Afinal, JPP critica o Ocidente pela tradição que o Ocidente tem de criticar o Ocidente. Assim sendo, a atitude crítica, que Ruth Benedict é insuspeita de ter fundado, também não há-de morrer com JPP.
Parte 2:
Como toda a gente, JPP deveria distinguir entre relativismo cultural, enquanto posição ideológica, e relatividade cultural, conceito que Ruth Benedict emprega nos Padrões de Cultura e que, ao contrário do primeiro, traz benefícios ao entendimento e largueza ao espírito. Caso JPP recuse a noção de relatividade cultural, o melhor a fazer é transmitir-lhe sinceros votos de boa sorte da próxima vez que for à China.
Parte 3:
JPP desconhece qualquer observação antropológica do mesmo teor [da de Ruth Benedict], sobre os seus, provinda de qualquer outra tradição cultural (muçulmana, budista, animista, etc.), e regozija-se com isso a ponto de sonhar com o mesmo para a nossa, ocidental, tradição. Resta, pois, saber como pensa reconverter-nos em muçulmanos, budistas ou animistas. Adeptos, decerto, não lhe faltarão.
Parte 4:
Esqueci-me.
Parte 5:
JPP deveria explicar o que entende por "tradição". É que Ruth Benedict e Margaret Mead parecem em bem pior posição para se candidatar ao cargo de emblemas da "tradição" do Ocidente do que, digamos, dois seres tão pouco preocupados com os olhos (ou o resto) do Outro como os que se chamaram Francisco Pizarro e Hernán Cortés. Para efeitos de tradição, a antiguidade conta.
Parte 6:
Avaliando pelo processo de globalização em curso, a influência de olhares como o de Benedict, Mead, Levi-Strauss e outros não foi nada por aí além, fique JPP descansado. O padrão que se globaliza é descaradamente ocidental, tudo indica. Sobre este assunto, a melhor leitura continua a ser Jack London.
Parte 7 e última:
No seu post de dia 7, fez JPP o favor de colocar uma foto de Ruth Benedict. A distinta antropóloga surge ladeada por dois índios norte-americanos. A escolha da foto não enferma de mistério nem de insignificância: inferimos que, na hora de se reclinar diante do ecrã, JPP continua exultando com o triunfo dos cowboys. Tanto basta para que saudemos nele um autêntico conservador.