07 agosto 2005

Monólogo exterior




/.../ bom bando de cretinos, é o que parecem. «Decidimos manter a decisão de não o deixar ir de férias»… Que graciosos! que amáveis!... se calhar julgam que estou aqui porque decidiram não me deixar ir de férias, porque não me deixam, porque não tenho iniciativa, porque quero e não me deixam, porque nem me ocorre sair e não voltar, ou porque preciso disto, sei lá! Pesporrência não lhes falta… devem achar que sou uma virtualidade, um ser em potência, sem qualidades, ao sabor dos caprichos deles, um ser de papel… «Decidimos manter a decisão de não o deixar ir de férias»… e depois desaparecem, se calhar de féria! Fico cá eu para quê? precisam de mim para quê? «Decidimos manter a decisão de não o deixar ir de férias… trate bem dela…» Pois, trato bem dela… e onde está ela? será que existe mesmo? Tanta coisa para escolherem novos membros e dá nisto. Vai ser um Agosto memorável, sim, senhor. E se eu começasse um diário? e se escrevesse as minhas memórias… qualquer coisa bem organizada, e em inglês, porque só em inglês se consegue organizar uma prosa, e com exórdio, advertência ao leitor, capítulos bem delimitados… até índice. Quando aqueles idiotas regressarem hão-de ver… se não me roubarem o manuscrito, como fizeram com os cadernos… Agora o telefone, quem telefona para aqui a uma hora destas? quase hora de almoço… não atendo, se for um deles, que imagine, presuma ou depreenda o que quiser. Vou até deixar uma mensagem no atendedor, «fui para o Meco, escusa deixar mensagem, será como as minhas pegadas na areia… etc.» Não, é vulgar, demasiado vulgar. Nada de mensagem, o telefone que toque para aí, e vou mesmo apanhar sol… Mas onde? há gente por todo o lado! gente e carros, carros e pó, barulho… e está muito calor… posso sempre ficar aqui, pelo menos é fresco, e vou lendo os papelitos do outro, até que há ali histórias engraçadas, sim, uma ou outra, não posso negar… ou quem sabe aparece por aí o Rubim, tem vindo, de fugida, se não estiver a tentar decifrar o Pacheco Pereira… mas francamente, ainda nem estou em mim, um homem ouve cada uma, «decidimos manter a decisão de não o deixar ir de férias»…
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