A felicidade é redonda e rola sobre a erva
- Sabe o que é a felicidade, Groucho?
- Pergunta temerária, senhor, a que não me atreverei a responder.
- Pois olhe, é estar num café agradável a papar dois jogos de futebol seguidos, ambos ganhos por equipas de azul, e pelo mesmo magro 1-0: o Chelsea, clube regional de Londres, e o FCPorto, campeão do mundo em título.
- E isso, assim de enfiada, não é actividade cansativa, senhor?
- Chama-se a isto «gozo de férias», Groucho, não esqueça. E podendo a gente ler, nos períodos mortos dos jogos, crónicas como as últimas de João Carlos Espada ou de Helena Matos (da sua Helena Matos), folhear o último número dos Inrockuptibles ou outras revistas em francês (por exemplo, a última do Le Monde 2), beber umas cervejas e comer uns amendoins, que mais se pode exigir da vida? Ainda por cima, os jogos foram sendo comentados por um velhote com ar de alienígena (ou melhor, entre o alienígena e o sem abrigo), que perguntava «Que bebida é esta?», apontando para uma mesa onde constava uma lata de Coca-Cola, e que, após a resposta, mandava vir uma e zuca, pela goela abaixo. E que, como se não bastasse, ia fazendo comentários justíssimos aos jogos em voz alta, a que ninguém respondia, ou por acharem que era a voz da razão que assim se manifestava, ou por receio de que o tipo fosse doido, coisa que em matéria de bola seguramente não era.
- Bom, de facto, não vejo que mais se pode exigir da vida. Mas não sei se não haverá aí uma discriminação de «género», senhor.
- A que se refere, Groucho?
- Bom, é que não vejo as mulheres a acederem à felicidade por meio de futebol televisivo acompanhado de cerveja e amendoins...
- Tem razão, Groucho, tem toda a razão. Não sei se são elas que são mais exigentes ou se somos nós que temos o dom de confundir a felicidade com coisas como a bola a rolar sobre a relva... Porque é um dom, sabe? E raro. E benfazejo.
- Acho que concordo consigo. Mas olhe que talvez haja outras formas mais exigentes de felicidade. Por exemplo, assistir a uma acção de rua de Manuel Maria Carrilho...
- Não há disso em Coimbra, Groucho, graças a Deus. Por cá, triunfa a Gentlemanship, de que fala o Espada sacrossanto, e a discrição. É o paradigma da Académica, o único clube digno de um gentleman neste país – e que, a propósito, pôs o Benfica na ordem, viu?
- É verdade. Sabe que eu tenho uma costela academista? Ainda ontem, nos momentos em que pude espreitar o jogo, me achei a gritar in pectore «Briosa»!!
- Você ainda lá vai, Groucho, ainda lá vai. E olhe, se a gente propusesse o Espada para sócio da Briosa? Desde que ele se ficasse pela TV e não visitasse o estádio, nem a cidade, até seria suportável… E sempre conferia alguma distinção extra ao clube (ou o clube a ele...). Temos de pensar nisso.
- Acho que sim, senhor. Afinal de contas, sobriedade elegante é com a Académica, no seu trajo negro. Nada de xanatas, nem de andrajos… Vai ver que ele alinha.
- A titular, seguramente, que não o vejo a fazer menos do que isso. Talvez a defesa central, o posto mais compatível com um gentleman...
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