Diário de uma intelectual enquanto jovem mãe (e ao invés)
22 de Julho
Leio num jornal o anúncio de abertura de concurso para estagiário/a no Clube Casmurro. Pagam uma miséria, mas também não exigem presença assídua. É à tarefa e o prémio supremo, ao que parece, consistirá em integrar o clube enquanto membro, se o estágio for avaliado positivamente. Como prémio, descontando a pretensão de supor que há por esse mundo fora pessoas que sonham só em ser membros do clube, podia ser bem melhor, mas enfim.
Não sei. Por um lado, repugna-me trabalhar num clube só de homens. Parece que têm mordomo e tudo, como naqueles falocratas antros londrinos que passam por epítomes da gentlemanship (sem querer abusar da política gramatical feminista, que é feito da gentlewomanship?). Por outro lado, o clube tem uma reputação de exigência e profissionalismo, raros nesta lusa coutada de amadores. E a biblioteca, onde sobretudo trabalharia, se acaso vencesse o concurso, parece ser excepcional. Acho que vou começar por fazer um telefonema exploratório para lá.
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Lá falei com o mordomo, um tal Groucho, bem-falante mas inegavelmente competente. Ao que parece, preencho os requisitos indispensáveis ao concurso. Disse-me que posso ver o espólio da biblioteca do clube na net, o que me deixou siderada. Fui ver e fiquei convencida: é coisa para me poupar muita deslocação às maçadoras e atravancadas bibliotecas públicas portuguesas. Perguntei-lhe pelos membros do clube e, apesar de serem todos um tanto cotas (à excepção de 1 ou 2), reconheci alguns nomes de quem li já ensaios ou livros. Acho que vou concorrer. Na pior das hipóteses, fico a conhecer mais uns espécimes do macho intelectual lusitano, cujo génio em geral não penetra além das trevas de Badajoz (ou de Irun, no melhor dos casos). Na melhor das hipóteses, transformo aquilo numa sorority e actualizo os fundos da biblioteca em matéria de literatura e teoria feminista.
Perguntei ao tal Groucho se não havia contradição no facto de um clube de homens admitir uma mulher. Respondeu-me (sic) que «Neste clube prezamos a contradição e acreditamos muito moderadamente nos méritos da Senhora Dona dialéctica!». Pedante do caraças! Sempre quero ver. Em tratando-se de homens, desconfio, por princípio, destas declarações de imparcialidade e «abertura», já que a história mostra, à saciedade, que é raça que nunca abdica de um grama de poder ou sequer de autoridade, a não ser à violência.
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