19 julho 2005

VPV e o Copy-Paste

- Sabe o que às vezes me acontece quando leio o Vasco Pulido Valente, senhor?
- Diga, Groucho.
- Uma estranha sensação de déjà vu.
- Ai sim? E porquê?
- Porque, como já o leio há décadas, tenho a sensação de que aquelas crónicas que leio hoje, já as li há uma década ou duas. Com outros nomes de personagens, outros governos, mas no fundo…
- Um eterno retorno da crónica?
- Mais ou menos. Ou melhor: o eterno retorno do assunto, o eterno retorno da choldra, o eterno retorno do tédio.
- O Windows tem uns comandos para isso: Copy-Paste.
- Nem mais, senhor! Não sei se reparou, mas ele está sempre a dizer que, nos últimos dois séculos… – já me disseram que para trás do século XIX ficam as trevas, para ele…
- …para trás do Eça, quer o Groucho dizer?
- Ou isso. Mas continuando: por sistema, ele pega numa ocorrência, ou num tema – por exemplo: a redenção nacional pela educação – e mostra como esse tópico foi obsessivo no período moderno, dos primeiros liberais a Salazar, Caetano e à democracia. E como, em consequência típica, dessa obsessão nada resultou de útil ou proveitoso.
- Ou seja: o país funciona por Copy-Paste, em ciclos mais ou menos curtos que retomam vocabulário de ciclos anteriores. E assim ad infinitum, se o facto de se tratar apenas de 2 séculos não inibisse a noção de infinito. Ainda que não iniba a de enfado e desgosto.
- Exacto. O país repete-se, copia-se e, em consequência, patina. Não sai do mesmo sítio. A arte da política consistiria, entre nós, em criar a ilusão de que se sai do sítio quando na verdade nunca dele saímos. Claro que este modelo analítico, que outros dirão que é o do pessimismo antropológico, esplende sobretudo em momentos de crise. Porque é nesses momentos que o modelo se torna inatacável: «Eu não avisei?»; «É meramente mais do mesmo»; «Ele pode vir com grandes ideias e cheio de gás, mas a realidade vai fazer-lhe o que fez a todos os anteriores»; etc.
- Percebo. E percebo ainda melhor por que razão VPV parece estar sempre no mesmo sítio e ter sempre razão contra as ilusões de movimento. Um eleata…
- Sim, mas não apenas. Também um plagiador.
- Isso é acusação grave, Sr. Groucho!
- Nada, mesmo. Porque o objecto do plágio acaba por ser ele mesmo. Logo, a pendência é doméstica.
- Explique-se.
- Simples: como o país patina eternamente e não vai além do Copy-Paste, VPV, como bom analista, não pode ir além do Copy-Paste. Está condenado, por razões de ordem ontológica e ética, a repisar o que sempre disse e a declinar, sob novos nomes e vocabulário ligeiramente diverso (CEE antes, hoje UE; Guterres antes, agora Sócrates…), as análises, os sarcasmos ecianos, os tropos fulgurantes e arrasadores que lhe conhecemos há décadas.
- Ou seja, a imobilidade do país coincide expressivamente com a imobilidade do cronista.
- Isso mesmo. Mais decisivamente: coincide com ele nos momentos críticos, aqueles momentos em que as razões dele se transformam na Razão da História. Não sei se já reparou, mas quando as coisas correm melhor, a estrela de VPV empalidece. Torna-se dispensável. Inversamente, quando correm mal, ele parece ir lá muito à frente de todos nós. Antecipou a coisa já há décadas...
- O senhor quase que transforma o VPV numa fenomenologia do espírito…
- Por mim, pode retirar o «quase».
- Mas o analista não devia estar mais próximo do bicho que levanta voo ao entardecer - a coruja da História -, do que dessa coincidência com o Espírito do Mundo?
- Talvez. Mas desconfio que andámos a vê-lo mal ao longo destes anos. Ele não é bem um analista, sabe?
- Ai não? Então quem é?
- Sabe quem é que ele me faz recordar? O Gonçalo Mendes Ramires, da Ilustre Casa… Aquele que o narrador, ou melhor, alguém por ele, no fim – num daqueles fins em que a pedagogia vitima a arte –, diz «ser» Portugal.
- Então o Copy-Paste…
- Torna-se geral e reversível, no modelo do anel de Moebius: só por ilusão há de um lado Portugal e do outro VPV. Na verdade, passa-se de um ao outro sem solução de continuidade, sem sequer metalepse, como na literatura fantástica. O analista não sai do filme para tomar uma amarga cerveja connosco: ele é o filme, o filme é ele. O nome do filme é…
- …Copy-Paste…
- …Portugal.

[A partir de uma ideia de Manuela Almeida]