O meu debate peninsular
O que me parece relevante na representação icónica de um agorático “debate peninsular” é o anacronismo dos ícones, nos termos que a imagem do post “Culture jamming (VII)” propõe: um regime icónico, uma concreta representação icónica, que prima pela exclusão dos termos necessários a um debate peninsular que o seja verdadeiramente. Um Touro – o touro que, lembremos, é na origem emblema de uma marca de brandy, e que viria a ser progressivamente re-semantizado em bandeira identitária – e um Galo que, bem vistas as coisas, pouco tem de Barcelos. Falta-lhe a cor, o colorido, é um galo subsumido pela retórica do touro representado. Como noutros casos de blending cultural, mais importante do que a co-presença dos signos culturais diferenciadores, o que importa nesta imagem é a tensão entre os signos, isto é, a relação de poder que a co-presença objectiva e não esconde. O ausente do diálogo agorático representado em “Culture jamming (VII)” é precisamente o Galo, que mais não pode do que vestir-se de Touro, ficcionando-se depois com eles uma espécie de diálogo. Mas nem o Touro é já trajo que se vista. Não é este o ponto prioritário que me interessa na imagem. A ausência de um diálogo bipolar não obvia aquele que é o “tema” – o problema – de um diálogo peninsular, mais ainda se ele se joga – como a imagem joga – em função de estereótipos identitários e seus ícones francamente reificados. Onde está, na imagem, o ícone Catalão? E o ícone Vasco? E o ícone Galego? Podia continuar, claro. Por conseguinte, a imagem convida-nos a pensar, a priori, como na verdade não representa diálogo nenhum que hoje possa ser balizado pelo marcador “peninsular”. No diálogo representado pouco mais resta do que aquela conversa de Leopoldo María Panero: “Cu contra cu / o único espelho é o cu”. Um espectro de diálogo. E, contudo, aceitando o negar da negação que a imagem solicita – uma necessidade que decorre do meu post, que insere a imagem numa sintaxe de outras imagens “revistas” pela ironia inerente ao tipo de intervenção que se supõe ao “culture jamming” (não há que exagerar-lhe as bondades, diga-se) –, aceitando a necessidade de representar um diálogo, fico-me pelo anacronismo da retórica da imagem. Mediar o diálogo peninsular por estereótipos culturais (oitocentistas na maioria dos casos) é viciar inexoravelmente o espaço agorático. O espectro dessa história, neste sentido, pouco mais nos serve do que para recordar a necessidade de dialogar. As imagens ruinosas dessa história são um convite à acção, por exemplo àquela que supõe des-automatizar a leitura (e a escrita) de uma imagem como a que temos em “Culture jamming (VII)”. Para mim, o visível na imagem deste debate é quem falta; e nesta imagem, como tenho estado a argumentar, faltam todos.
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