06 julho 2005

O futuro das Faculdades de Letras



- 3 horas de reunião de departamento, hoje, Groucho! O meu amigo não imagina o ror de prazeres académicos que a sua profissão lhe interdita diariamente…
- 3 horas? E havia assunto para dois jogos de futebol?
- Se havia! Começámos por uma questão urgente e ingente: a desratização.
- Mas há necessidade disso na sua universidade? Estou abismado!
- Ora Groucho, há-de dizer-me onde é que não há? Até no Benfica! Não vê o que por lá vai por causa do Miguel, aliás inocentíssimo? Más companhias e maus conselhos, é o que é.
- O pobre do rapaz ainda vai acabar por se prejudicar. O que vale é que o advogado dele, o Dias Ferreira, é um homem sensato e conciliador. Mas, voltando ao assunto, há assim tanto rato por lá?
- Mas o Groucho nunca viu os desenhos animados da Warner? Bastava um para pôr a cabeça em água ao Silvestre (um injustiçado!) ou ao Daffy Duck. É como em tudo: às vezes um já é legião.
- Também é verdade. Olhe como aquele rato do Michael Moore põe a cabeça em água ao George, e só com patranhas!
- Essas suas intimidades com o George…
- Mas então, suponho que trataram de outras coisas além da desratização?
- Sim, claro. Vedada a casa com betuminoso, olhámos, confiantes, o futuro! Aliás, Futuro, com maiúscula!
- E ele há disso, nas Faculdades de Letras?
- Atão não há-de haver, carago! É questão de a gente inventar objectos. Olhe, eu para o ano, por exemplo, vou dar «literatura de blogues»! Até já comprei O Livro da Rititi! Vai ser qualquer coisa, pôr o De Man a ler a Rititi, o Gato Fedorento e o Pedro Mexia. Futuro não falta! O problema é que a gente avança para ele sempre às arrecuas e às cegas e trombadas, como naquele anjo do Klee, o Angelus Novus (ou melhor, do Benjamin, porque só ele é que via naquela porcaria de desenho uma filosofia da história).
- Literatura de blogues!? O senhor anda de facto infectado pelo vírus do relativismo. Ou melhor, do anything goes!
- Gosto mais desse, que em inglês um vírus é outra coisa! Soa mais… extraterritorial, como diria o padre Steiner.
- Pior um pouco… Mas lá esse seu departamento é de Literatura de Blogues?
- Ná, homem, derivava… É mais de teatradas, assobios, estarletes e, se deus e o Magnífico quiserem, de performâncias e séries de TV, reality shows e fotos tipo passe.
- Não quero ser desagradável, mas parece-me mais curial investir o escasso dinheiro do OGE na terceira ponte de Lisboa ou no choque tecnológico.
- Pra já, esta coisinha a que chamamos arte não é de todo curial, meu caro. O seu Camilo, o seu John Ford, nada disso é curial (já o Nobel do Saramago, não sei…). Depois, se pensar bem a arte é choque tecnológico desde sempre. Imagine o choque dos nossos irmãos rupestres quando viram o primeiro deles a fazer umas borratadas na parede?...
- Ou o sacana do grafiteiro que ainda há dias nos sujou a parede exterior do clube!...
- Controle-se, homem, que a grafitagem também está quase no meu departamento! Foi uma árdua luta, devo dizer, contra o vasto partido conservador! Temos um colega a doutorar-se na matéria na Universidade do Bronx e, quando ele chegar, vamos criar uma pós-graduação só nisso. Se por aí vir o grafiteiro, em vez de chamar a polícia, peça-lhe é um autógrafo. É aliás uma área a expandir, segundo as directivas do Ministério do Ensino Superior (e também do do Interior).
- Não me diga que o tipo que nos fez aquilo qualquer dia é Dr. por Coimbra.
- Iremos tarde, meu caro Groucho, porque antes de nós já a Universidade Nova terá feito dele Doutor por extenso.
- O futuro é de facto um país estranho…
- E está aí mesmo à porta…
- E passa por nós num ápice…
- É como os governos…