03 julho 2005

O filme


À saída do cinema, depois do filme, sobrevinha o silêncio. Um silêncio mais ou menos esperado, e que era em si mesmo uma espera. Clyde esperava que Bonnie dissesse alguma coisa. E Bonnie aguardava também que o Clyde falasse. Aguentavam o mais que podiam calados, como se estivessem a suster a respiração. Não era exactamente indiferença pelo que o outro tinha a dizer, era aliás exactamente o oposto à indiferença. Fazendo descaso à polícia que lhes ia no encalço, a atenção de Bonnie e Clyde repartia-se pela atenção ao caminho inverso ao percorrido duas horas antes, a atenção ao não dizer do outro, e a atenção àquele momento exacto, agora sim procurado, de já não calar nada. «-Temos de vir outra vez ao cinema», disse por fim. A partir daí, a conversa de Bonnie e Clyde - que durou até às tantas, sem interrupções, sem desfalecimentos - perdeu o interesse.
Imagem: Marina Abramovic, da performance Breathing in-Breathing out, 1977.