O filme (II)
― … E é mais do que a técnica, mais do que a representação, mais até do que os diálogos: é o que acontece ali, não acontecendo coisa nenhuma, o que passa naqueles rostos, não sei, Groucho, não sei dizer…
― A ver se consigo ajudá-lo. Toda a cena assenta em convenções, a conversa, os gestos, as atitudes, tudo é convencional naquela reunião de amadores de música, cantores e professoras de canto. E todos, incluindo os mais novos, parecem velhos. À excepção do bêbado.
― Sim, e a expressão máxima disso é o discurso do Conroy, preparado com cábula e tudo, os tópicos na folhinha que ele vai relendo à socapa antes de chegar a ocasião. Mas num dos tópicos estava a lembrança dos mortos, dos ausentes, dos que já partiram… e o desgraçado não fazia ideia do que estava escondido nessa evocação obrigatória!
― Os vivos costumam evocar os mortos como quem sabe perfeitamente onde param uns e outros. Enganam-se, claro.
― E de que maneira! A Anjelica Huston não precisa de mais nada além daquela sequência final para justificar a carreira toda. Uma pessoa parece que chega a ver o miúdo que desistiu da vida aos 17 anos… Se calhar é isso, Groucho. Se calhar, o cinema só é grande quando o que não se vê é tão visível como o que está à vista.
― O que eu sempre pensei: o cinema, o grande cinema é uma arte para cegos.
― Groucho, essa ideia…
― Não me vai dizer que é muito radical, não?
― Talvez, mas a verdade é que me dá muito jeito. Basta para explicar que, apesar de arrepiado como estou (veja, isto não passa!), ainda consigo salvar o L’Atalante, do Jean Vigo, como o outro filme da minha vida. Agora a par destes Mortos, do Huston, claro.
― Está a ser injusto. Com certeza, há muitos outros filmes que…
― Pois, Groucho, há muitos outros filmes que, de repente, se afiguram bem talhados para aquela categoria das coisas-muito-interessantes-sim-senhor-mas-no-fundo-no-fundo-secundárias.
― Com esse gracejo salvou-nos. Isto estava a parecer uma conversa séria. Aceita um chazinho?
— Prefiro um martini. Com duas pedrinhas de gelo...
— (sorri) ...e uma rodela de limão. É para já!
― A ver se consigo ajudá-lo. Toda a cena assenta em convenções, a conversa, os gestos, as atitudes, tudo é convencional naquela reunião de amadores de música, cantores e professoras de canto. E todos, incluindo os mais novos, parecem velhos. À excepção do bêbado.
― Sim, e a expressão máxima disso é o discurso do Conroy, preparado com cábula e tudo, os tópicos na folhinha que ele vai relendo à socapa antes de chegar a ocasião. Mas num dos tópicos estava a lembrança dos mortos, dos ausentes, dos que já partiram… e o desgraçado não fazia ideia do que estava escondido nessa evocação obrigatória!
― Os vivos costumam evocar os mortos como quem sabe perfeitamente onde param uns e outros. Enganam-se, claro.
― E de que maneira! A Anjelica Huston não precisa de mais nada além daquela sequência final para justificar a carreira toda. Uma pessoa parece que chega a ver o miúdo que desistiu da vida aos 17 anos… Se calhar é isso, Groucho. Se calhar, o cinema só é grande quando o que não se vê é tão visível como o que está à vista.
― O que eu sempre pensei: o cinema, o grande cinema é uma arte para cegos.
― Groucho, essa ideia…
― Não me vai dizer que é muito radical, não?
― Talvez, mas a verdade é que me dá muito jeito. Basta para explicar que, apesar de arrepiado como estou (veja, isto não passa!), ainda consigo salvar o L’Atalante, do Jean Vigo, como o outro filme da minha vida. Agora a par destes Mortos, do Huston, claro.
― Está a ser injusto. Com certeza, há muitos outros filmes que…
― Pois, Groucho, há muitos outros filmes que, de repente, se afiguram bem talhados para aquela categoria das coisas-muito-interessantes-sim-senhor-mas-no-fundo-no-fundo-secundárias.
― Com esse gracejo salvou-nos. Isto estava a parecer uma conversa séria. Aceita um chazinho?
— Prefiro um martini. Com duas pedrinhas de gelo...
— (sorri) ...e uma rodela de limão. É para já!
posted by Gustavo Rubim @ 5:08 da tarde
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