20 julho 2005

O filme (I)

― Por aqui a estas horas, Sr. Rubim?
― Olá, Groucho.
― Parece que vem…não sei, um pouco absorto. Alguma coisa que correu mal?
― Diga?
― Perguntava-lhe se vem com o espírito preocupado…
― Preocupado? Estou arrepiado, veja!
― Mas numa noite quente como esta?
― Não é de frio. Vim agora da Cinemateca, acabei de assistir, imagine, ao filme da minha vida. Até me custa falar.
― Na Cinemateca?... Deixe-me adivinhar: viu pela primeira vez The River, do Renoir, e ficou deslumbrado! Acertei?
― Não, Groucho. Esse, por acaso, também o vi lá e não foi há muito tempo, mas a cópia estava tão degradada que nem tenho a certeza de ter visto o filme propriamente dito. O que vi, de facto, assombrou-me, mas creio que não foi ao ponto de me arrepiar como este…
― Este, qual? Por favor, deixe-se de bioquices.
― Não sei se o Groucho conhece: The Dead, o…
― …o último filme do John Huston. Estreou em 1987. Conheço perfeitamente. E, para falar com franqueza, espanta-me que o senhor o ignorasse.
― Nem me diga nada. Mas talvez fosse melhor assim, sabe? Nem sempre temos o espírito disponível e os olhos maduros o suficiente para saber quando estamos diante de uma obra-prima absoluta. Aquela…
― Aquela refeição, aquele jantar, é nisso que está a pensar, não é? Também nunca me convenci de que haja outra refeição igual na história do cinema. Só um mestre é capaz de tal proeza!
― Oh Groucho, há tanto tempo que não concordávamos!