23 julho 2005

O colete verde

Chegou, porém pálido, alterado.
— Que foi, Groucho? Aconteceu alguma coisa?
— Peço desculpa, senhor. Lamento imenso o atraso. Fiz muita falta?
— Não, nenhuma. Como vê, isto está deserto. Mas você está branco, homem, o que é que lhe aconteceu?
— Um acidente, senhor, um pequeno acidente de automóvel.
— Você guia? Não sabia…
— Eu não, com efeito. A minha irmã. Aproveitei a manhã para ir dar um passeio com ela e os meninos, os meus sobrinhos. No regresso, numa rotunda, um cavalheiro abalroou-nos.
— Nada de grave, espero.
— Não, nada de grave, chapa amolgada, os meninos a chorar… o pior foi o cavalheiro, que recalcitrou. Não tinha razão nenhuma, mas diante duma senhora, compreende… Tive que intervir, e foi deveras desagradável.
— Imagino. Diga-me uma coisa, também vestiu o colete?
— Colete? Com este calor?
— Aquele colete verde. Para ficar bem visível na estrada. Não o vestiu? Olhe que é obrigatório em situações como essa.
— Não fazia ideia, e acho que a minha irmã também não.
— Você, admito, que está sempre aqui fechado. Mas ela, já acho estranho. Vêem-se por todo o lado. Aliás é curioso. Há muitos acidentes como esse, e outros piores, em regra provocados por condutores que acham as regras de trânsito mera formalidade. Quando não morrem ou ficam estendidos na rua, é vê-los ao lado dos carros amolgados envergando os coletinhos verdes, muito ordeiros e correctos. Não conhecem limites de velocidade, estacionam em qualquer sítio, de preferência nos passeios, ignoram traços contínuos, fazem marcha a trás na auto-estrada — mas o colete verde entrou nos hábitos dos condutores portugueses com uma facilidade, uma tranquilidade, uma atitude de «vejam-como-sou-bom-cidadão-cumpridor»…
— Deve ser o gosto da novidade, meu caro senhor. Há muito, entre os portugueses, esse fascínio do novo, com que logo sem custo aderem à novidade, sobretudo quando é superficial e visível. Depreendo mal?
— Não, deve ser isso, sim, Groucho. Somos todos visivelmente modernos.