No Livro Aberto (2, a fraude)
(Grande algazarra, barulho de cadeiras. Regressa a corrente eléctrica. Nenhum ruído surdo, nem mudo: não há corpos a caírem pesadamente no chão.)
FJV — Percebo o que me diz, mas não acha que têm alguma razão as pessoas que criticam os verbetes, ao menos quando dizem que quem não sabe o que é uma catacrese, ou uma hipotipose, ou uma metonímia, não entende nem acha graça?
G — O humor didáctico é uma seca. Aliás, tudo é uma seca se didáctico, ou didacticamente intentado. Nem há humor didáctico. O humor implica partilha, pressupõe reconhecimento, a vários níveis e em vários sentidos. O humorista sabe que o seu auditório vai reconhecer certo ponto, está unido pela partilha do conhecimento desse ponto: formam, humorista e público, um consenso. O engraçado é que não tem que ser uma crença efectiva. Por exemplo, as anedotas de alentejanos… só acha graça quem aceitar que as constitui a ideia de que os alentejanos são estúpidos, não quem acredita que os alentejanos são efectivamente estúpidos. É uma crença poética, digamos assim, como se houvesse um protocolo, prévio mas por força implícito. Veja lá se alguém conta uma anedota assim: se partirmos do princípio, de resto falso, de que os alentejanos são estúpidos, então, um alentejano chega a casa e encontra a mulher na cama…
FJV — Espere, espere, deixe as anedotas para os seus casmurros. Percebo o que diz das anedotas, mas não é o caso das figuras de retórica, essas existem…
G — Tem a certeza?
FJV — ?!
G — Tem a certeza de que existem figuras de retórica? Eu não tenho, inclino-me até a pensar o contrário. De qualquer modo, voltando à pergunta, quem quiser perceber, procura perceber, sabe? Abre um vulgar dicionário e encontra tudo explicado sumariamente, a definição, os diferentes nomes, mais ou menos tudo. E até se aprende, ou é assim que se aprende…
FJV — Não é prático, reconheça…
G — É imensamente prático. Faço notar que aqueles verbetes, quando publicados na justa forma, não se destinam a um concurso de televisão ou a alguma telenovela da TVI. São para se ler, e quem lê tem por força que consultar dicionários. Isso sim que é prático…
FJV — Desculpe, voltando atrás… «são para se ler» ou «para se lerem»… ou «para serem lidos»?
G — O humor didáctico é uma seca. Aliás, tudo é uma seca se didáctico, ou didacticamente intentado. Nem há humor didáctico. O humor implica partilha, pressupõe reconhecimento, a vários níveis e em vários sentidos. O humorista sabe que o seu auditório vai reconhecer certo ponto, está unido pela partilha do conhecimento desse ponto: formam, humorista e público, um consenso. O engraçado é que não tem que ser uma crença efectiva. Por exemplo, as anedotas de alentejanos… só acha graça quem aceitar que as constitui a ideia de que os alentejanos são estúpidos, não quem acredita que os alentejanos são efectivamente estúpidos. É uma crença poética, digamos assim, como se houvesse um protocolo, prévio mas por força implícito. Veja lá se alguém conta uma anedota assim: se partirmos do princípio, de resto falso, de que os alentejanos são estúpidos, então, um alentejano chega a casa e encontra a mulher na cama…
FJV — Espere, espere, deixe as anedotas para os seus casmurros. Percebo o que diz das anedotas, mas não é o caso das figuras de retórica, essas existem…
G — Tem a certeza?
FJV — ?!
G — Tem a certeza de que existem figuras de retórica? Eu não tenho, inclino-me até a pensar o contrário. De qualquer modo, voltando à pergunta, quem quiser perceber, procura perceber, sabe? Abre um vulgar dicionário e encontra tudo explicado sumariamente, a definição, os diferentes nomes, mais ou menos tudo. E até se aprende, ou é assim que se aprende…
FJV — Não é prático, reconheça…
G — É imensamente prático. Faço notar que aqueles verbetes, quando publicados na justa forma, não se destinam a um concurso de televisão ou a alguma telenovela da TVI. São para se ler, e quem lê tem por força que consultar dicionários. Isso sim que é prático…
FJV — Desculpe, voltando atrás… «são para se ler» ou «para se lerem»… ou «para serem lidos»?
(Grande algazarra, barulho de cadeiras e copos. Falha outra vez a corrente eléctrica. Um ruído surdo, como se três corpos caíssem pesadamente no chão.)
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