28 julho 2005

Minority report, primeira parte

O presidente do Consejo General del Poder Judicial (Estado Espanhol), Francisco José Hernando, fazia há dois dias na Universidad Rey Don Juan Carlos as seguintes declarações (eu traduzo): “Como tenho vindo a argumentar muitas vezes, estamos perante a Terceira Guerra Mundial, que é a guerra contra o terrorismo; ora, numa guerra há que criar situações extremas, estando eu contra a pena de morte como é natural. Mas quando o risco que se pretende evitar é maior ou pode produzir a morte de inocentes, evitar o risco [em espanhol: la evitación del riesgo] parece-me oportuno”. Hernando comentava, específica e explicitamente, a recente morte do jovem brasileiro em Londres e a “política” do mata-primeiro-e-pergunta-depois. Estas declarações provocaram uma imediata e visível rejeição, tanto por parte da classe política (não toda) como por parte do colectivo de juízes (concretamente, dos sectores progressistas). Ontem, como seria de esperar, o magistrado voltou a intervir na praça pública, argumentando não terem sido bem compreendidas as suas palavras. O jovem brasileiro tão-pouco “foi bem compreendido”, mas já não pode fazer valer o direito a ser bem compreendido. Interessar-me-ia infinitamente mais poder ouvir o jovem abatido no metro de Londres, interessa-me bem menos as declarações do Francisco José Hernando. Mas elas entram-me em casa, são agressivas – entre muitas outras razões – pelo banais que são, pelo demasiado bem que se compreendem. O que primeiro chama a atenção é a astúcia e a premeditação das primeiras declarações, que antecipavam já as declarações que vieram apelar a ser “bem compreendido”. Note-se que as primeiras declarações incluem a afirmação “estando eu contra a pena de morte como é natural”. Nas segundas declarações, nas declarações de ontem, Hernando sublinhará especialmente aquela afirmação categórica, o que – palavras suas que novamente traduzo – “torna óbvio que não é admissível que causar uma morte possa ser utilizado como instrumento policial na luta contra o terrorismo”. Naturalmente contra a pena de morte, obviamente contra uma “política” anti-terrorista baseada no “shoot to kill”. A questão é: por que razão coloca na sintaxe das primeiras declarações o tema da “pena de morte” se, como viria a dizer, essa figura nada tem a ver com a morte no metro do jovem brasileiro? Mas há mais, muito mais. Como dizia o espanhol Espinosa, um homem tem o direito de ouvir outro homem, registar o que diz, para lhe poder resistir.



* Traduzo as declarações do presidente do CGPJ a partir de notícias da Agencia EFE.